quarta-feira, 17 de outubro de 2007

18º Corte ( - Jonas abriu os olhos. - )

Com dificuldade tentou levantar o corpo ferido, faltando dois milímetros de pele em quase toda a área das costas. Esforçou-se inutilmente. O magro rapaz encontrava-se preso numa velha mesa para exames ginecológicos.

Não conseguia enxergar além das vigas de sustentação logo acima. Parecia estar num grande sótão embolorado. Seu crânio estava preso entre duas placas de ferro adaptadas na mesa para obstruir a visão do rapaz. (Conforme as técnicas descritas no Manual Universal de Tortura Contemporânea ensinavam). Jonas sentia fome, suava muito e reparou de repente que estava sem as roupas.



“Que espécie de maluco faria isso comigo?!” disse em voz baixa.

Ficou ali parado escutando seu estômago roncar por mais vinte minutos, sentindo o suor umidecendo seu corpo. Abafado.

De repente, fez-se ouvir uma voz:

“Um pervertido sexual, talvez. Por quê? Tem algum problema nisso?”

“Quem está aí? O que eu fiz pra você me prender??”

Ele mesmo. Não era Lúcio, mas a voz reverberante de sua esquizofrenia congênita. O nome era:




"Senhor Stephen K., Muito prazer.”





E não se esqueça de fazer parte da comunidade! http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=26514722

17º Corte ( - Lúcio. - )

Ele tinha pouco mais de treze anos quando seus pais morreram. O engraçado é que nunca acharam os corpos, só uma gravação em fita k-7 na saída da estação de metrô com a última conversa entre os dois.

O estranho fato nunca foi explicado. Quem fizera a gravação e quando fora gravado, eram informações que haviam sido sepultadas junto com os dois cadáveres.




Naquela idade Lúcio já possuía uma independência que não se via em adolescentes da mesma faixa etária. Foi sumariamente emancipado por isso. O Governo preferiu assim.

Cozinhava, lavava e passava suas roupas de escola; tinha um trabalho de meio expediente no setor administrativo de uma loja de revistas em quadrinhos.

Obcecado, o garoto mantinha o estranho hábito de procurar mensagens ocultas nelas. Nas ilustrações e textos impressos no papel, acreditava existir um código secreto, uma conspiração governamental. Algum segredo tão terrível, que as pessoas ficariam loucas e se matariam apenas pelo seu conhecimento. Algo que apenas sua mente (subjetivamente) genial poderia suportar.

Sem dúvidas, Júlio era um louco, mas não louco o suficiente ainda...


X x X


Tudo começou quando foi ao supermercado naquela sexta feira treze. Dirigiu-se à pequena seção de açougue e comprou a carne do Porco contaminada com cistos de taenia solium. A saudosa Solitária.

Lúcio levou aproximadamente trezentos gramas de lobo do Porco para casa e preparou da maneira preferida: mal passada. Quase crua. Quase gemendo e grunhindo sob o peso da faca sobre a tábua de carne...




Daí por diante você pode imaginar o que aconteceu... os cistos ingeridos eclodiram e as larvas migraram para o cérebro dando origem a uma bela e perniciosa neurocisticercose. Ao passo de dois anos, Lúcio foi acometido de convulsões epileptiformes, hipertensão intracraniana e principalmente a um quadro psiquiátrico demência.

Sua mente louca, naturalmente, produziu uma fantasia de que estava sendo sondado por alguma cápsula da alta esfera do Governo, e muitas vezes imaginava uma perseguição desconfiando de quem quer que se aproximasse.

Já com dezesseis anos, começou a seqüestrar pessoas aleatoriamente, quem lhe parecesse o mínimo suspeito, e as levava para o sótão de sua casa...

Mas se você o visse de perto, nunca pensaria isso de Lúcio. Se você fosse uma garota, até o acharia uma companhia interessante para se estar no escuro de uma sala de cinema...




Lúcio estudava na mesma instituição de ensino que Iúre. E no momento da explosão no refeitório, seus neurônios fervilharam projetando uma teoria caótica na velocidade da luz. Seu cérebro fragmentou-se numa sucessão pragmática de imagens. A curiosidade e loucura infligida pelo verme cefálico o levaram a correr até lá.

Quando chegou, viu os corpos despedaçados dos alunos.

Gravou bem na memória o rosto de Júlio caído e deu alguns passos na direção de Jonas.

As costas do rapaz expunham carne chamuscada. O cheiro forte dos outros mortos não incomodaram nem um pouco a Lúcio. Ele estava resfriado e perdera um pouco da sensibilidade olfativa.

Parou enfrente ao corpo estirado no chão. Subiam vapores de fumaça em espirais das costas de Jonas.

Lúcio o chutou três vezes. Sem resposta. Nenhuma reação positiva ou negativa.

Sua cabeça latejava e inspirações doentias lhe diziam:

“Agente infiltrado do programa de inspeção de massas do governo. Ele quer o que você tem na cabeça. Quer a sonda. Você sabe demais, Lúcio, e eles sabem disso. Eles vão matar você por isso. Você tem que fazer alguma coisa, seu estúpido!”.

Os pêlos eriçaram da nuca até os calcanhares. As veias da testa ficaram surpreendentemente visíveis e, por causa de uma inexplicável perversão, Lúcio sentiu algo endurecer dentro das calças.

A voz maligna reverberou no seu crânio outra vez.

“Vamos lá, Lúcio! Ninguém chegou ainda. Se você for rápido pode arrastar esse miserável até lá fora! Esses escrotos não vão conseguir te pegar, Lúcio!”.

Ele pensava como se fosse uma outra pessoa dentro dele, alguém que o compreendia, que partilhava de suas suspeitas de um iminente fim de mundo, alguém que, acima de tudo, o amava... ele era doente.

16º Corte ( - A lâmina chiou... - )

...e o Porco grunhiu de dor enquanto o cutelo desenhava um sádico sorriso em sua garganta.

Incessantemente sua vida escorreu através do ferimento. Ele se sacudiu todo como um daqueles bonecos de posto de abastecimento. O sangue foi aspergido no ar devido à pressão concentrada na carótida.






O fluído desceu da garganta para uma bacia de metal envelhecido e depois conduzido através de um complexo de calhas e encanamentos ao imenso tanque externo.

O sistema de roldana conduziu o corpo Porco a uma ante-sala, onde um senhor idoso que não tinha a ponta dos quatro dedos da mão esquerda (exceto o polegar) o aguardava. Ele não os possuia mais por certa vez, ter abatido porcos dopado com fenergan, um remédio para alergia.

Esperava ansioso para imergi-lo ainda vivo na água fervente.

Se o objetivo no processo era destruir o cisto entre as fibras musculares do Porco com o calor da água, então não foi alcançado. A fila era grande e muitos outros deviam ser abatidos naquela manhã ainda. Então, para acelerar o processo, o idoso contentou-se em deixar o Porco um terço do tempo previsto dentro da banheira com a água borbulhante.

Por isso, o Porco acabou chegando ainda vivo no processo de esfolamento.

Lá, o pulmão se contraiu pela última vez enquanto sua pele era arrancada do corpo.

Morreu. Sem dúvida.

Mas sua carne ainda não havia passado por todo o processo do sistema de abate. Depois da esfola, foi jogado numa mesa de madeira (que não carecia nada de fungos verdes enterrados entre os orifícios decompostos).



Ligeiramente prensado, o mais compacto possível.

O Porco foi fatiado, embalado e distribuído nas prateleiras frias dos supermercados da grande cidade.

O que fora outrora um Porco feliz. Agora era produto alimentício contaminado...

O cisto permaneceu adormecido, escondido furtivamente no lombo da criatura.

15º Corte ( - Havia um cisto. - )

Um cisto entranhado nas carnes vivas de um Porco.

O animal andava de um lado ao outro esperando a ração ser servida naquele dia. O que o tal Porco não sabia, era que aquele dia era um dia especial.

O último dia de sua inútil vida.

Diferindo-se dos outros companheiros suínos, tensos por causa das péssimas condições de alojamento, ele não via a hora de servirem a ração com farelo de ossos de outros porcos.

Porcos canibais.

Ele era Porco bem diferente dos outros. Especialmente por uma bela ferida necrosada se afundando em seu dorso. Não se importava com as instalações deprimentes daquele abatedouro clandestino.



Os outros porcos sentiam no ar algo indubitavelmente errado e se agitavam atacando uns aos outros. Ele não. Sentia apenas o cheiro de cadáveres de outros porcos sacrificados no dia anterior. Dava mais fome. Uma torturante fome que corroia seu estômago.

Fazia um frio de sete graus lá fora, quando um homem de avental segurando uma pistola de eletro choque deu seus passos na direção do curral. O assíduo carrasco.

Ele cuspiu o filtro de cigarro.

Estalou os dedos.

E sacudiu a pistola.

Tensão de duzentos e quarenta volts.

Exatas.

Conforme se aproximava, o desespero tomava conta dos suínos.

Apesar das drogas na ração, para evitar que os porcos se matassem devido ao pouco espaço, parecia sobrenatural a maneira como os animais se agitavam e sabiam o que estava para se suceder ali.

Não haveria uma última refeição para o nosso Porco. E ele não se importava. Contentava-se apenas com as fezes secas de outros porcos no chão.

O choque repentino de duzentos e quarenta volts correu pelas fibras musculares do Porco fazendo revirar os olhos e babar.



Estava tão gordo e sedentário devido à castração que caiu imediatamente. Um outro ligeiro choque serviu para que ele se levantasse grunhindo.

Os cem porcos alucinados foram conduzidos a pancadas elétricas no crânio até um corredor completamente escuro. Apenas uma saída no cercado. Era um abatedouro pequeno.

Todos os animais entalaram no breu. Gemendo e mordendo-se. Mutilando-se em meio ao desconhecido.

Agora o Porco não estava mais tranqüilo.

Mesmo sem ter a capacidade de produzir uma gota de testosterona, ele podia ouvir um vermezinho chamado instinto dentro do seu sangue berrando:

- Corra Porco! Corra!

Ele derrubou três outros porcos no chão antes de encontrar o fim do corredor. Correu como um atleta olímpico antes de dar de frente com a própria morte no fim do corredor.

Ao se abrir a porta uma luz surgiu descrevendo a silhueta de outro homem com uma daquelas pistolas elétricas mortais.

Só precisou de uma descarga e o infeliz animal caiu com um baque surdo no chão. O homem de avental e botas brancas puxou o Porco para fora e fechou a porta de madeira. Um porco rebelde tentou sair logo atrás e ganhou de recompensa o choque responsável por estourar a mucosa de seu focinho.

Ele grunhiu. O homem sorriu.

Depois disso, pendurou o Porco de ponta cabeça em ganchos de aço inoxidável novos, perfurando os pés.

As pernas não agüentaram o peso da carne gordurosa do animal.

Clac!

Cederam e se quebraram dolorosamente. O Porco guinchou de dor.

O homem sorriu novamente; acendeu um cigarro. Jogou o fósforo saindo fumaça na cara do Porco.

A tensão fez o animal morder a própria língua ainda dormente por causa do choque elétrico.

O Porco só conseguia ouvir. As lágrimas e o aumento da pressão no globo ocular impediam que enxergasse, então ouviu o barulho do cutelo sendo apanhado na bancada de alumínio.


Os passos.

Aquele riso. Podia ouvir os lábios rangendo enquanto o Carrasco sorria.

Ele deu alguns passos ruidosos quando se aproximou. Sugou mais fumaça pra dentro dos pulmões. O cigarro entre os dentes.

- É porquinho. Dessa vez você é o porco e eu sou Deus! Quem sabe da próxima vez você dê sorte e a gente inverta os papeis? Hein? AHAHAHA!

Ele encostou a lâmina na garganta do infeliz e, como eu dizia antes:

“Havia um cisto”.

“Um cisto entranhado nas carnes vivas de um Porco”.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Mil Perdões, amados leitores...

Peço mil desculpas aos leitores do Carne Humana por não estar dando freqüência devida à história. Tenho corrido atrás de muita coisa e acabo deixando um pouco de lado esse meu compromisso com vocês, amados leitores.
Tenho muitas surpresas guardadas dentro de minhas entranhas e dependo de uma intensa pesquisa (devido ao meu parco conhecimento sobre o próprio mundo) para engendrar uma história que realmente valha a pena ser lida.





Há dois dias que terminei de ler o segundo livro da série A torre negra de Stephen King, e na empolgação coloquei essa música aí do lado, feita pelo projeto Demons&Wizards que faz referência veemente à história.
Deixo a vocês, aconselhando que leiam o livro!, a letra e sua respectiva tradução esperando que gostem:






Demons & Wizards - Wicked Witch
Hansi Kursch

There is a demon
An evil mind
Inside us
Oh I know, I know
We all know the rules
When water will be shed
The wicked witch is...

This is the end of all the miracles
Farewell to you yellow brick road

Everything she is asking for
It all belongs to her
Now she's gone into nothingness
There she waits

Still I can hear her singing in the room
In the room I know she's gone
I've thought "She'll never fail,
All magic will be gone
The day she'll melt away"

This is the end of all the miracles
Still I hear her singing in the dark
Truth has changed, her voice it stays the same
Farewell to you yellow brick road
Still I hear her singing in the dark
While time goes on her voice will fade away

"They are all, they're everything, they are mine
Silver shoes you're mine, you are mine,
You are mine"

Hate will live on

This is the end of all the miracles
Farewell to you yellow brick road

The wicked witch is dead ...





Demons & Wizards - Wicked Witch (tradução)
Hansi Kursch

Bruxa Má

Existe um demônio
Uma mente má
Dentro de nós
Oh, Eu Sei, Eu Sei
Nós todos conhecemos as regras
Quando a aguá se tornar vertente
A Bruxa má está.

Esse é o fim de todos os milagres
Adeus para você estrada de tijolos amarelos

Tudo que ela está perguntando
Pertence a ela
Agora ela está indo para o nada
Lá ela esperará

Ainda eu a ouço cantando no quarto
No Quarto, Eu sei ela se foi...
Eu pensei, "Ela nunca fosse falhar"
Toda a magica se foi....
O Dia se derreterá...

Esse é o fim de todos os milagres
(Ainda eu a ouço cantando na escuridão)
A Verdade mudou, Sua Voz continua a mesma
Adeus para você estrada de tijolos amarelos
(Ainda eu a ouço cantando na escuridão)
Quando o Tempo Passa e sua voz desaparecerá

"Eles são todos, Eles são tudo, Eles são meus.
Sapatos de prata você é meu, Você é meu

Ódio irá viver...

Esse é o fim de todos os milagres
Adeus para você estrada de tijolos amarelos

A Bruxa Má Está morta...

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

14º Corte ( - Eu ouvi: - )

“Ode a morte, Opus seiscentas e sessenta e seis”.

Tudo porque um cara bonito mudara de idéia e resolvera atirar...

Áhlima e Iúre correram para a porta fazendo ruídos metálico com a cadeira de rodas.

Eu caí, sentindo uma leve dormência devido aos pedaços de chumbo que penetravam minhas costas. Minha coxa esquerda se encharcou toda com o sangue do meu traseiro. Esse projétil desgraçado saiu pela parte da frente da minha perna.

Além do barulho ensurdecedor dos tiros e da cadeira de rodas se afastando desesperada, eu pude ouvir Júlio gritando aos seus colegas:

“O maluco jogou a bomba, cara! Corre! Corre, senão a gente vai morrer!!!”



O explosivo de fabricação caseira voou da mão de Iúre até chocar-se na superfície áspera de uma das mesas, estimulando os componentes químicos instáveis no interior da embalagem reagirem.

Iúre atirou-o bem longe do meu corpo caído no chão.

Mas não o suficiente para evitar que eu sentisse seu calor, e me fazer umas queimaduras de primeiro grau nas pernas.

Choveu sangue de alunos secundaristas para todos os lados. A decoração fora radicalmente modificada naquele dia. Disso não se podia duvidar.

A fuga dos dois prosseguiu até alcançarem o ar mormacento das ruas. Para bem longe de mim e dos tiros homicidas.

Eu fiquei ali, deitado, apreciando o cheiro de carne queimada dos colegas de Júlio. Que por sua vez, se abrigou bem rápido, usando dois de seus companheiros como escudo humano. Para o alívio das garotas que o idolatravam, saiu ileso daquela explosão.

Antes de meus sentidos caírem num profundo torpor, alguém se aproximou de mim, eu acho. Mas não agüentava mais a dor. Adormeci como uma criança com as pernas queimadas.

Foi naquele dia, não sei se em sonho ou desperto que vi pela primeira vez Stephen.

Meu amigo, um dos melhores: senhor Stephen K.

13º Corte ( - Iúre estava armado com uma pistola. - )

O modelo dela era Browning Hipower calibre nove milímetros; munição sempre na câmara, pronta para atirar.

Se Júlio era o melhor atirador num raio de cinco quilômetros, Iúre era, sem dúvida, o melhor em dez quilômetros. A maioria nem se aventurava a aproximar-se do atirador paraplégico, o que o tornava tão invisível quanto Áhlima.

Na hora do almoço ficava sozinho à mesa, evitado como um cão raivoso qualquer.

Ele não gostava de admitir, mas odiava ficar só.

Depois que o maldito ex-detento matara seu pai e lhe arrancara a capacidade de andar (com um tiro no meio da espinha), Iúre foi obrigado a se virar sozinho naquela cidade.

Primeiro, comprou sua pistola Browning Hipower cheirando a nova. Os Garotos do Outro Lado da Linha do Metrô arranjavam munição bastante barata; (às vezes custavam simples informações sobre as pessoas “do lado de cá”).

Em menos de uma semana de treino já conseguia agrupar oito em dez tiros no alvo improvisado, feito numa árvore podre de num terreno baldio perto de casa.

A segunda atitude de Iúre foi se vingar... bem, essa é uma outra história que deixarei para mais tarde.



Enfim.

Depois disso, ninguém nunca mais ousou chegar perto de Iúre, tratando-o como se fosse uma horrenda aberração invisível. Ele deslizava com sua cadeira de rodas feito um fantasma, entrando e saindo pelas salas, ignorado o máximo possível pelas pessoas.

Fora eu o primeiro que lhe dirigira uma palavra sem demonstrar medo em dois anos.

No primeiro instante, quando Iúre me contou sua história, tive a impressão de que ele sofria alguma espécie de perturbação mental...

A coragem estúpida e ameaçadora contida em sua voz tinha que ser loucura. Excedendo a autoconfiança. Não imaginaria nunca alguém na condição de Iúre encarando um monte de rapazes enormes e armados. Preso em naquela cadeira de rodas.

Júlio sorriu francamente, como um curinga numa carta de baralho. Debaixo do uniforme escolar seus músculos tensos esticavam o tecido.

“Você tá maluco, metade de presunto podre?”

Revólver Smith & Wesson modelo sessenta coçou junto à virilha.

Apareciam mais e mais motivos para Júlio atirar. Mais e mais cabeças para detonar com a munição de cordite importada.

“Você pretende fazer o quê sentado nessa cadeira de rodas? Levar a gente para participar das para-olimpíadas?”

Iúre foi subestimado, coisa que Júlio costumava fazer com todos. Afirmando para si mesmo que mandava por aquelas redondezas.

“Perfeito” pensou o aleijado.

Eu não entendia muito bem aquela situação. Todos sacando suas armas de tantos bolsos ocultos ou do cinto das calças jeans. Era coisa demais para minhas cognições absorverem.

A visão de Iúre puxando sua Browning Hipower nove milímetros de debaixo da coxa me fez congelar.

Contudo, havia algo mais de aterrador naquela cena. Algo que me fez arregalar os olhos até as têmporas. A prova final de que Iúre beirava a insanidade.

Precisamente em suas mãos calejadas, estava um explosivo de fabricação caseira a base de nitroglicerina.

Como todos sabem, bombas desse tipo não são muito famosas por sua estabilidade. Um choque de leve é capaz de transformar um ser humano numa amputação tamanho família, bem econômica.

Iúre não conseguia esconder o sorriso seco. A ilusão do controle.

“Larga a vagabunda, play-boy de merda!!”

Ele indubitavelmente o intimidara.

Júlio levantou as sobrancelhas de maneira sincera e disse:

“Se eu fosse você não apareceria nunca mais por aqui, seu doente.”

“Acho que você se torna mais doente ainda quando ameaça um... cara como eu.”

O belo rapaz abaixou seu revólver sem tentar esconder a tremedeira de medo e raiva. Os outros fizeram o mesmo.

Áhlima correu para o nosso lado quase gargalhando.




“Seu escroto! Agora tá com o cu na mão, né, gostosão?! Você é daqueles tipos de covardes que se mijam todo quando estão por baixo! SEU BUNDÃO!”

Júlio tremeu mais ainda:

“Se eu fosse você começava a aprender a atirar, menininha. Ou você vai parar numa cadeira igual a essa em que o rapazinho inválido está... entendeu menininha?”

Nós o ignoramos e nos dirigimos para a saída dos fundos. Áhlima sentiu o frio da cadeira de rodas quando começou a empurrar Iúre. Eu estava logo atrás.

Uma corrente de sangue irrompeu pela minha espinha, era alívio. Parecia que estava em menos perigo do que há dez segundos atrás...

Pouco mais de sete metros e já estaríamos lá fora, em segurança...

Seis metros...

Quatro metros e meio,

Dois metros.

Que pena. Tempo demais.

O tempo necessário para Júlio mudar severamente de idéia e dizer para um de seus colegas: “Atira logo, Filipe.”

Todos levantaram suas armas, engatilharam afoitos e abriram fogo. Ele mesmo não resistiu em dar alguns disparos molhados.


POST SCRIPTUM: Aqueles que desejarem, podem também visitar a comunidade de Carne Humana e falar o que quizer! O endereço é:

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=26514722


quarta-feira, 1 de agosto de 2007

12º Corte ( - Áhlima sentiu os ossos gelarem. - )

Não sabia se era exatamente por medo ou culpa da atração física que despontou repentinamente pelo rapaz.

Os olhos claros de Júlio estimularam seus mais profundos instintos.

Ele, diferente dos adolescentes magros que podia facilmente encontrar no colégio, era forte, ombros largos, rijos, os músculos definidos por baixo da pele.

O rosto lembrava um daqueles atores-modelos de seriados populares de televisão. Uma expressão angelical definia sua face. Havia quem dissesse ser grosseria comparar Júlio a qualquer outra pessoa, porque, para as garotas da escola (e alguns “rapazes”), Júlio era perfeito.

Além disso, a última coisa de que Áhlima precisava era escoriações e projéteis alojados no corpo.



“Ele é um garoto, certo?... Certo” uma gota de suor frio desceu pela têmpora de Áhlima, “Garotos gostam de garotas, certo?... Certo. O que tenho que fazer é me aproveitar disso, certo?...”.

Áhlima não tinha uma arma, mas um bisturi que roubara do laboratório de ciências. Definitivamente não seria útil agora. Entretanto, nunca seria capaz de ferir um centímetro daquele rosto tão lindo. Perfeito.

Era esquisito afirmar, mas ela desejava Júlio imensamente e tinha muito medo disso.

“E aí menininha, você não sabe falar? Não adianta tentar me enganar, menininha, porque eu ouvi muito bem você chamando a mim e meus parceiros de idiotas”.

As mãos de Júlio enrijeceram. Queriam envolver o punho da arma, queriam apontar para aquela menininha insolente, queriam pressionar o gatilho lubrificado e atirar, só uma vez.

“É mais saudável você me responder, ou vai ficar mais enrolada do que está”.

“Não. Não, cara! Não é nada disso que você está imaginado! Eu só pensei alto demais...”.

De um lado a outro; nenhum sinal de inspetor para salvar sua vida.

“Júlio. É esse seu nome, não é? Eu nunca me atreveria a chamar uma pessoa do seu tamanho de idiota.”

Tinha certeza que o volume nas calças do rapaz era uma arma. Sim, era uma arma. Fria, metálica, assassina.

Aos poucos o refeitório se esvaziou. Os adolescentes saíram sem olhar pra trás, atravessando a porta que dava para o pátio, até só restar Jonas, Iúre e uma dúzia de amigos de Júlio no lugar.




“Estamos a sós, menininha...”, mentira, uma faxineira observava tudo apoiada numa vassoura, como se fosse um filme. “Não adianta tentar me enrolar, eu ouvi muito bem você chamando todo mundo de idiota, que não ia ficar perdendo tempo olhando pra nossa cara... eu fiquei muito sentido com esse destrato...”

Júlio parecia um belo anjo cruel no juízo final. E Áhlima, um cervo, momentos antes de ser abatido pelo machado.

“É melhor você vir comigo, lá fora tem mais espaço pra resolvermos esse negócio”.

Tarde demais para correr. Os outros a cercaram antes que pudesse pensar em fugir. Não havia mais para onde ir. Não havia mais nada. Ela sabia que ia morrer.

“CARA! PELO AMOR DE DEUS! EU NÃO ESTAVA FALANDO COM VOCÊ!”

“Odeio ser grosso, mas também odeio ser taxado como um idiota por uma qualquer que nem você, ...você também não tem idéia de com quem esteja falando. Infelizmente não foi só eu quem escutou a ofensa, por isso vamos ter que resolver agora. Vem comigo, menininha...” Júlio falava serenamente como uma brisa, “Exceto se você...”

“Se você o quê...?”

“Tem uma coisa que eu quero de você”.

“Fala! Qualquer coisa pra não ter mais problemas!”

“Nada demais, menininha”.

“Sim, o quê?! Diz logo!”

“Eu só queria sua vida, e isso eu já vou tirar a força mesmo, então não tem nada que me interesse...”.

As gargalhadas reverberaram no recinto abafado. Os amigos de Júlio sempre riam como hienas antes de alguém morrer. Um dogma religioso característico do grupo de amigos armados.

“Agora, se mexa, garota e venha conosco. Eu não trouxe meu silenciador...droga.”

Áhlima já havia armado as unhas e os dentes no meio da tremedeira. Estava disposta a se sacrificar, contanto que desfigurasse Júlio com seu inefável rosto. Daria um belo prejuízo.







Mas Iúre, que assistia a tudo indignado, gritou de repente:

“Ela vai com você PORRA nenhuma, seu maldito desgraçado!!







POST SCRIPTUM: Aqueles que desejarem, podem também visitar a comunidade de Carne Humana e falar o que quizer! O endereço é:

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=26514722

sexta-feira, 27 de julho de 2007

( - Terra sem males - )

Esse texto não tem nada a ver com a história do Carne Humana, mas com um outro projeto de um amigo meu e eu:


- No ano de dois mil e dois conheci uma criatura que julgava não ser criação desta existência chamada Daniel Xavier B. (não escrevi o raio do nome todo porque não sei alemão, dane-se!).

Visionário particular, singularmente cativante. Havia sonhos que não deixavam descansar sua inquieta mente. Ao passo que em alguns meses reconheci semelhanças de mim mesmo, como um reflexo no lago, proveniente da convivência diária com Daniel Xavier.

E, num dado momento, devido a essa convivência, submisso aos devaneios coerentes do caos, decidimos em uníssono tornar mais que palpáveis nossos sonhos, compartilhá-los, torná-los parte da formação de sua alma, amado leitor.

Em breve revelarei os segredos que guardamos, leitor, eu prometo... -



x x x




O Professor parte 1

Todos os dias o café na garrafa térmica estava frio: ele iria se atrasar. Sua ressaca era apenas um detalhe daquela sensação de ter abusado depois do ultimo tempo no Educandário Marques Salles...Iria pegar trânsito, mentir para o coordenador, e dar o fabuloso teste surpresa com uma única questão sobre todo conteúdo dado no semestre. Mas e daí? Seus alunos do Santa Elena eram filhinhos de papai...Foda-se a grana dos coroas deputados...





O Professor parte 2


Nossa! Que dia! Os olhos ardiam e a cabeça com seus trezentos e graciosos quilos estava sendo cruelmente atraída pela gravidade, naquela linda manhã cinzenta e carioca. Sua roupa amarrotada e a barba por fazer eram resquícios subjacentes do ritual quotidiano de exorcismo das perniciosas causalidades que se acumulavam em sua vida. Um protesto estampado desde os tempos de calouro contra a estética vigente e a quem ela se sujeitava, porque tinha raiva da complacência civil e asco da conjuntura desfigurada e estéril que se apresentava. Tinha medo de ser engolido por sua pátria em crise de identidade e às vezes sentia uma necessidade de participar da confecção das redes trabalhadas de mentira e intriga, e posteriormente sabota-las em nome de suas ideologias.





O Professor parte 3

No âmbito material de sua existência ele flertava com algo supremo. Abstrato e profundo. Ainda era muito recente para explicar o que isso significava em si mesmo. Um novo tipo de vaidade norteava seus pensamentos... Mas primeiro ia dar descarga antes de sair para trabalhar...

Site do BRUNO IDIOTA MASTER!

Em paralelo ao Carne Humana, existem outras histórias por aí que estão sendo contadas e nem temos conhecimento dentro desse mar de informção que nos afoga todos os dias.

E uma dessas histórias é a de Ramirez, um mexicano supranacionalista que tem como sonho mudar a língua oficial dos Estados Unidos de Inglês para espanhol.

É, muito louco. Eu também queria saber como ele vai fazer para realizar esse sonho.
Aí embaixo está uma parte da história, apreciem com moderação!


XXX


O Sonho de um Mexicano
Capitulo três, Era uma vez o Mac Donald's(1)


Juan freia a moto,o pneu canta e a moto fica parada
se fosse um piloto qualquer tal manobra de freio não
seria concluída com sucesso.
O mudo fica assustado,mas nem pode perguntar o que
houve,pois Juan é mudo.

Ramirez então,tira o
capacete e olha alegremente para o Mac Donalds
ele vê uma chance de destruir parte da cultura dos malditos
gordos americanos
Por isso que Ramirez pediu que Juan parasse,Ramirez
tinha visto o estabelecimento e essa chance não passaria
em branco

Tamanha felicidade são transmitidas em palavras para Juan.

"Juan estoy perto de matar alguns americanos e destruir um pouco
desta maldita cultura....haahahahahahhaaahh,es lindo,es lindo!"

O Sorriso de Ramirez era indisfarcável,seus olhar era
de furia e felicidade,parecia um louco que conseguia um sorvete
de picles.
A possibilidade de destruir o Mac Donalds era maravilhosa para
Ramirez.
Ele não perde mais tempo,pega um revolver e dá outro a Juan

Ramirez vê um Policial,e acha que se mata-lo agora,terá
menos chances de ser surpreendido lá dentro.
Ele canta a canção feliz de Assasinato de Americanos n° 14

"Americanos yo voy matar,eso es tan feliz
dou tiro no pé,na cintura,en la mão,na bunda ou no Nariz
yo quero mirar mucho sangue,Juan es con tu mi aprendiz"
(Nessa parte da canção seria Juan que cantaria,porém
ele é mudo e não consegue cantar...Mas tenta)

Juan ainda tenta cantar


"hmmmm aaaaaabaaaaa hmmmmmmm aaaaeeeeeee
seeeeeeeee zaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaa
oooooooooooooooooooooo eeeeeeeeeeeeeeeeeee"

logo depois da canção
Ramirez executa perfeitamente o tiro,o policial
é liquidado e cai no cão sem 67% de sua cabeça
A massa cinzenta caindo é vista em camera lenta
pelos olhos de Ramirez.

Ele então se preparava para matar mais americanos
e entrar no MaC Donald's e continuar a chassina
Sua mente e seu corpo num nirvana em junções dizem

"MATAR AMERICANOS,MATAR AMERICANOS,MATAR AMERICANOS"

Por mais que o caminho de seu sonho atual
fosse pacífico,ele matava os americanos,pois
pra Ramirez isso é sempre bom.

Essa matança para Ramirez era como um
hobby saudavel,esporte de fim de Semana,essas coisas

Pois os americanos nos olhos de Ramirez são sujos
impuros,enfim demonios que só atrapalham o México
mata-los é sempre bom para Ramirez,é uma situação de
"limpeza espiritual"

Ramirez,vê outros policiais por perto
e os matas sem ao menos eles perceberem,só
na cabeça,rápidamente como um ninja mexicano.

A rua em que ficava o Mac Donalds estava vazia,só tinha alguns
policiais por perto e todos mortos,parece que tudo
conspirava a favor de Ramirez,tinha umas 5 pessoas dentro
do estabelecimento,a arma de Ramirez era misteriosamente silenciosa
a morte de todos policiais foram feitas com um silêncio angelical
o revolver que o acompanha nessa jornada é todo pessoal
parece uma velha pistola com um cano longo e prateada
mas não é uma pistola,o destaque fica ao "Mexico ou muerte"
que está marcado no cano da arma por uma cor esverdeada.

Ramirez guarda seu peculiar revolver e avança para entrada do
Mac Donald's,ele consegue se acalmar
sabe que mostrar muita furia pode dar bandeira
e Ramirez não quer a policia no seu pé.
O estado de calma é assustador,parece outra pessoa
é incrivel a concentração de Ramirez quando ele pode
ser beneficiado com algo.
Por ultimo ele acende um cigarro e diz a si mesmo

"La accion começou"

quarta-feira, 25 de julho de 2007

11º Corte ( - Ela perscrutou todo refeitório,- )

mas não encontrou de forma alguma o garoto com a cicatriz no rosto.

A multidão de moças e rapazes não passava de um compulsivo monte de nada. Como se fossem massas de corpos descrevendo um grande e negro vazio.

Era assim que a garota pensava.

Áhlima desejava que não fosse dessa maneira. Porém, ela não vivia num mundo que permitia essencialmente pensar, apenas agir.

Depois, Áhlima passou por um grupo de rapazes responsáveis pelo abastecimento de drogas ilícitas no colégio. Nada que fosse contra o consentimento da direção.

Os seios se agitaram como uma pulsação forte.

“Moleque desgraçado!” pensou alto, “onde é que esse miserável se meteu? Por que é sempre mais difícil ter alguma coisa quando você quer alguma coisa? Se eu não quisesse falar com esse babaca ele já teria tentado me agarrar a muito tempo”.

Dois pares de olhos a seguiram.

Júlio era o rapaz mais bonito da escola, e, também, o melhor atirador num raio de cinco quilômetros. Dono dos olhos que vigiavam Áhlima.

Desejou-a na primeira vez que a viu; e odiou-a quando ela mordeu e arrancou um pedaço do rosto de seu colega.

Era certo que o rapaz mutilado não passava de um rival inútil. Todavia, o que o incomodava mais era aquela atitude bárbara. Lembrava os repulsivos hábitos dos asquerosos Garotos do Outro Lado da Linha do Metrô.

Júlio esperava o dia em que estaria só, encarando-a, apontando o seu revólver Smith & Wesson modelo sessenta no meio da testa daquela maldita; e fazê-la sonhar definitivamente mediante a um pequeno pedaço quente de chumbo.

O Sonho Final.

Áhlima prendeu os cabelos num rabo de cavalo liso e brilhante; pensou:

“Ah! Quer saber!? Dane-se esse boiololinha! Dane-se a miserável aula de filosofia! Dane-se toda essa escola! Tenho muita coisa pra fazer pra ficar perdendo tempo olhando a cara desses idiotas!”

Pensou alto, alto demais.

Inesperadamente Júlio se levantou fazendo a carteira gemer debaixo de seu traseiro. Ajeitou a pistola no coldre escondido próximo à virilha e pôs os cabelos por trás da orelha usando os dedos.

“Por algum acaso você tá falando comigo, menininha?”





POST SCRIPTUM: Aqueles que desejarem, podem também visitar a comunidade de Carne Humana e falar o que quizer! O endereço é:

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=26514722

sexta-feira, 20 de julho de 2007

( - Amados e assíduos leitores do Carne Humana, - )

Daqui a algum tempo não estaremos mais aqui.

Seremos sugados na forma mais elementar pelas raízes das plantas de algum cemitério, ou lacrados em um cubículo de mármore com as veias entupidas de formol.



Todavia, não se preocupem tanto.

Enquanto a hora não chega e o fim não nos envolve com seus sedosos tentáculos, continuamos a caminhada mística (para uns) e sem sentido (para outros) que nos sugere o nome de Vida.

Há onze anos decidi como se comportariam meus pés nessa caótica caminhada. Decidi, a partir das primeiras linhas de texto que algum livro empoeirado me sussurrou, viver de sonhos, dos seus sonhos, amado leitor. De todos os sonhos que alcançam uma criança através tantas histórias que lhe são contadas antes mesmo que pronuncie a primeira palavra. Dos sonhos que você carrega no recôndito mais obtuso do seu ser. São esses sonhos que vos movem (na mais delicada sutileza) quando caminhas solitário pelas ruas do mundo, leitor.



Tocar nos seus sonhos e nutri-los com histórias, é isso que tento fazer aqui. E, se possível, despertar os pesadelos que se escondem dentro de você...

segunda-feira, 9 de julho de 2007

10º Corte ( - A história de Iúre, - )


foi assim que ele me contou:

“Praticou kung-fu estilo wing-chun desde os doze anos. Aos treze tornou-se um colecionador de medalhas e troféus participando de inúmeros campeonatos regionais pelo país. Aos quinze, quando o mundo começou a acabar, a loja de depilação de seu pai entrou em processo de falência. Demoraram exatas vinte quatro horas para ter que sair da cobertura de um prédio e se mudar urgentemente para uma mais modesta no subúrbio. Mas não foi de todo ruim. Se ficasse mais alguns dias, teria que começar a comprar o café da manhã e ir ao trabalho de bote salva vidas. O Oceano havia inundado toda a costa em menos de duas horas. (Sorte de principiante... )Como boas vindas na nova escola, um espertinho ateara fogo na sua mochila simplesmente por ser mais cara que a de todos na sala. Utilizando de seu conhecimento em artes marciais, retribuiu as boas vindas com treze fraturas expostas no engraçadinho. Todavia, o mesmo engraçadinho tinha outros quinze amigos armados com facas e paus e muita disposição para matar. Iúre deu sorte de não ter sido esquartejado, voltando para casa sem apenas uma unha do polegar e alguns hematomas. Por sua vez, o pai de Iúre tentou processar a escola e os responsáveis pelos alunos que agrediram seu filho. O governo na época dava mais importância a assuntos de caráter político, ambiental e criminal. Não havia estrutura nem verba para um caso tão insignificante como aquele, sobretudo, com tantos desvios de verbas e ligações com homicídios em massa para serem investigados. Um dos responsáveis, ex-detento, disléxico, semi-analfabeto e armado, ficou ofendido com a abertura de queixa na polícia e resolve tirar satisfações com o pai de Iúre. Não demorou muito. Pai e filho iam jogar fliperama quando deram de frente com o responsável indignado. Um estampido fez o sangue torácico chover sobre Iúre. Antes de morrer com o filho abraçando sua cabeça, o pai de Iúre viu o responsável atirar na sua costas, e fazê-lo sentir uma dormência que nunca mais o abandonaria.”

E foi isso que ele disse que aconteceu.

9º Corte ( - Eu nunca levei uma arma para escola. - )

Na minha escola anterior, os inspetores revistavam os alunos todos os dias. Nunca levei uma faca sequer por isso.

A nova escola era diferente. Alunos e professores definitivamente não cruzavam olhares. A ausência de inspetores encorajava a desordem pelos corredores, sendo visto na maioria das vezes como coisa normal pelos próprios responsáveis. Eles também não se importavam, a maioria era omissa pelo medo de possíveis retaliações dos marginais homicidas que ocupavam as bolorentas salas de aula. E tinham completa razão em agir assim.



Iúre foi o garoto que conheci no refeitório. Eu tinha perdido Áhlima de vista e resolvi sentar na parte mais escusa do recinto. Os vapores de legumes saindo da cozinha nos faziam suar.

Notei esse Iúre sentado ao meu lado. Ele montava uma lubrificada cadeira de rodas com um adesivo escrito: “crucifiquem Buda, pelo amor de Deus!”.

Eu ri.

Não pude evitar a curiosidade e então perguntei: “O que é que Buda fez pra você, cara.”

Virou-se para mim com uma cara de quem ia arrancar meu fígado, colocar na bandeja e me obrigar a comer. Rosnou:

“Seu playboyzinho de merda, quer tirar onda com minha cara?”

Encolhi-me na altura de minha insignificância. “Foi mau cara. Não era minha intenção...”.

Seguidamente o paraplégico mudou de expressão. Agora parecia que queria me esmagar com um abraço naqueles braços musculosos pelo exercício constante. “Que nada, garoto. Eu pensei que você fosse mais um daqueles idiotas que gostam de ficar se aproveitando dos outros. Se fosse a coisa ia ficar feia aqui.”

Limitei-me a ficar de rosto enrubescido e calado. O cara podia ser louco ou coisa parecida. Esperei ele falar.

“É que você não sabe como são as coisas por aqui. Tá vendo essa cadeira de rodas, você acha que nasci assim? Eu saí perfeito de dentro a vagina da minha mãe! Agora tô preso nessa bosta de cadeira pra sempre. Eu vou te contar uma coisinha, garoto.”

Iúre começou a contar a história de como nunca mais sentira o seu corpo da cintura para baixo, eu a avistei: Áhlima percorria o corredor formado pelas mesas do refeitório. Bem longe.

“Olha pra mim que eu quero te contar uma parada, garoto!”

Fingi ouvir, entretanto minhas atenções continuavam voltadas para o rosto bronzeado de Áhlima e seus macios seios (possivelmente rosados).

domingo, 8 de julho de 2007

8º Corte ( - “Mas que cara mais estranho”, pensou Áhlima. - )

Algo do tálamo[1], no interior fresco de seu crânio atraia a curiosidade para aquele rapaz. Não era seu tipo físico ( detestava garotos pequenos ), nem a cor dos seus olhos ( preferia verde a castanhos ) e muito menos o seu jeito de falar e andar, “que cara de fracassado!”.

De início, Áhlima foi tomada pelo impulso de levantar, andar até o fundo da sala e confabular até cansar com o magro rapaz. Ela era capaz disso, sem dúvida, mas a idéia de ceder a um mero impulso a enojava. Uma palavra apenas: orgulho. Nem boa nem ruim. Apenas mais uma palavra.

Contudo, aquele impulso não parava a escalada no seu estômago, subindo, alisando os vasos sangüíneos da garganta, chegando à boca como uma vontade de gritar. Seus desejos sempre se comportavam dessa maneira. Às vezes era impossível controlá-los...

Mordiscou o lábio inferior num hábito que nunca abandonava, a vontade de levantar era mais forte, tocava-a mais intimamente que qualquer faca de cozinha. Parecia que ia sangrar. Tencionou ir por um momento.

“Não. Não posso ir. Eu tô ficando doente de novo. Primeiro aquele sonho estranho e agora isso! Acho que minha mãe tem razão. Eu sou uma maluca por ficar imaginando essas coisas!”. Áhlima sorvia pensamentos conflitantes, cheios de contrastes e irresistíveis... “AH! Quer saber de uma coisa: Dane-se!”

A garota se levantou rápido, de forma que seus seios balançaram languidamente.

“Eu vou lá ver quem é esse idiota.”

X X X



O sinal disparou de repente, espalhando seus berros pelos corredores da escola. Todos levantaram ao mesmo tempo.

O rapaz veio em sua direção, mas sem intenção visível de falar com ela.

Áhlima ficou esperando ele se aproximar, se aproximar, se aproximar, mais um pouquinho e... E passar direto indo para fora da sala.

"Prova substancial de que sou uma idiota."

Ele se misturou com o mar quente de corpos de alunos secundários, ela o seguiu.




[1] Região do cérebro responsável pela curiosidade.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

7º Corte ( - Foi naquela tarde que encarei Áhlima pela primeira vez. - )

Os olhos dela, por alguns instantes, pareceram com os da minha mãe. É claro que é uma afirmação tola, porque eu nem mesmo chegara a conhecer mamãe, mas de alguma forma aqueles olhos profundamente negros escondiam uma discreta essência de maternidade. Ou talvez fosse só impressão minha devido à fragilidade condicional do meu próprio cérebro... Não importava.

Eu sei apenas que me senti confuso ao vê-la sentada displicentemente naquela cadeira velha de escola. Para minha surpresa, ela também olhava para mim, numa reciprocidade afável para o meu ego. Em nenhum instante pensei que a causa de Áhlima me encarar intermitentemente era a enorme cicatriz do lado esquerdo de meu rosto (prova de minha notória atração por brigas violentas).

XXX

Entrei na sala e cumprimentei a professora de literatura. “Bom dia, senhora.” A estranha mulher nem ao menos levantou a cabeça de sua leitura para me cumprimentar. Meus instintos diziam que de alguma forma ela sentia medo de mim.

Instalei-me então no fundo daquela sala abafada, repleta de indivíduos detestáveis (e alguns provavelmente armados...).

Nunca conseguiria sentar ao lado de Áhlima em primeiro instante. Puxar uma conversa. Sempre fui deveras inibido para qualquer atitude em relação ao sexo oposto. Também nunca soube o porquê, nunca me questionei ou refleti sobre o assunto. Agora ela estava lá, bem lá na frente. No início vazio da sala. Envolta de poeira cancerígena de giz e comportando a própria languidez em seus seios.

“Mas que garota linda é essa”, pensei.

6º Corte ( - O sinal para o intervalo disparou... - )

... só que era dentro da cabeça de Áhlima, gritando aos alunos que a aula já havia terminado. “Não. Eu me enganei. Foi só um tiro. Só um maldito tiro lá na rua... eu vou acabar enlouquecendo nesse inferno! Como é que pude confundir um tiro com uma campainha?!” indignou-se severamente consigo mesma.

Naquele mesmo instante, algo lhe chamou sutilmente a atenção para a porta da sala de aula. A nuca arrepiou-se instantaneamente. A hiper-hidrose nas mãos fez os dedos respigarem de suor. Não sabia exatamente o que sentir. O orgulho e arrogância a faziam pensar daquela forma, enfiando pensamentos obscuros em sua mente. Estava tão confusa quanto um relógio atrasado. Os próprios desejos aturdiam as cognições imprecisas de Áhlima. Assim como o estranho sonho que acabara de ter. Na dúvida, preferiu dizer para si mesma em voz baixa: “Mas que droga é essa?”.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

5º Corte ( - “Que merda é essa...” - )

“...que eu tô sonhando?” Áhlima começou a pensar, “ todo dia eu sonho com essa coisa! Será que estou ficando maluca? Sei lá . Acho que tô tomando café demais. Ou minha mãe deve tá botando alguma porcaria na comida. Melhor eu nem falar nada com mamãe, senão ela vai me levar no psiquiatra de novo e vou ter que ficar escutando aquela bichinha falando um monte de besteira no meu ouvido...”

Quarenta alunos que não calavam a boca. A sala de aula estava uma confusão. Conforme o tempo se passava, os professores se conformavam cada vez mais com o mau comportamento dos alunos, principalmente depois que um deles trouxera uma pistola Taurus modelo PT-92 e virara as tripas da professora de matemática do avesso.

Áhlima esperava ansiosa a hora de sair daquele purgatório de futilidades.

“Esses miseráveis não sabem falar de outra coisa que não seja a merda de um vestido ou um carro?”, pensou enquanto um garoto se exaltava num grupo de alunos do outro lado da sala.

Na falta do que fazer, Áhlima resolveu ajeitar os seios no sutiã e pentear os cabelos pretos.

4º Corte ( - A maçaneta girou... - )

...e Áhlima despertou na sala de aula. Na maldita aula de literatura. Professora maldita. Matéria maldita. Sempre pensava e não sabia quem odiar mais. Não entendia nem o porquê de tanto ódio. ”Não importa,” pensou limpando a saliva que escorrera de sua boca na mesa.

Sempre se sentava na frente e dormia constantemente. Ninguém se importava com a garota invisível. Ela muito menos, e preferia assim. Os professores pouco se importavam também.



Nos primeiros dias de aula, até houve um ou outro que mexera com ela por causa do tamanho exagerado de seus seios. Todavia, Áhlima não era uma garota qualquer. Era uma garota pálida que adorava morder rapazes abusados.

Após mutilar o supercílio de um rapaz usando os dentes, porque ele lhe tentara agarrar, ninguém mais conseguiu ver Áhlima. A pálida garota de dezesseis anos ficou invisível. Mas isso pouco importava.

terça-feira, 26 de junho de 2007

3º Corte ( - Não havia nada, - )

nenhuma luz que pudesse deixar visível o rosto de Áhlima dentro daquela escuridão. Mesmo sua pele pálida, quase fluorescente, não podia se definir naquele breu.
Ela não via, apenas sentia a pele macia de seu irmãozinho pulsando entre seus dedos.
x x x
Ia desenhar uma linha vermelha com a faca no pescoço, quando, de repente, escutou os passos de sua mãe apertarem o assoalho lá fora.
Plá.PláPlá.
Sob seus pés, Áhlima podia sentir a vibração do choque de tamancos.
"Mas que merda!", pensou.
Sua mãe parecia estar vindo na direção da porta do quarto. Exatamente como os tremores no chão indicavam.
"Eu tô ferrada!"
Um breve instante. A respiração de Áhlima tornou-se ainda mais pesada. Quase não agüentou o denso ar atravessando sua garganta.
Cinco segundos.
A maçaneta ruidosamente girou. E a porta se abriu.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

2º Corte ( - Áhlima... - )

...tinha seus irmãos gêmeos na palma da mão, quando, em pé, de frente para o beliche, ergueu a faca de carne sobre sua própria cabeça. Ela envolveu o pescoço de César com a mão esquerda, e imaginou ser um emissário de Deus trazendo a morte para a pequena criança. Lentamente desceu a lâmina mal afiada. Um ritual desconhecido.




Conforme a faca formava um arco no ar, ela chegava seu rosto cada vez mais perto sentindo a respiração pesada do irmão.
Queria saber o que Deus está pensando agora, refletiu. César vai saber no meu lugar.
Mordeu o lábio inferior até perder a circulação. Ficou ligeiramente pálido.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

1º Corte ( - Minha mãe despertou, -)

sentiu a luz do refletor tocar-lhe os olhos e contraiu-os enquanto sua placenta era rasgada pela primeira vez por um feto .
O ar contaminado do hospital foi o segundo contato eu que tinha com o mundo, além daquelas mãos cobertas por luvas de borracha puxando minha cabeça.
Eu respirei. E o oxigênio temperado com essência hemocorial invadiu meus pulmões.
Chorei. Meu corpo tingido de sangue materno deslizava para fora como suco de morango fresco.
O médico não me encarou. Não por repulsa. Eu apenas não era especial, só mais um embrião que se desenvolvera demais e conseguira nascer naquela tarde de abril.







Eu nasci em algum hospital do subúrbio.
Logo depois de minha mãe me conceber, deixou meu corpo entregue para adoção. Ela sim sentiu nojo de mim.
Repudiou-me ao ver o que um estupro lhe trazia em suas mãos. Eu era a perfeita memória dos socos e chutes que levara quando fora violada pelo seu pai.
Mas eu não sei de nada disso, amado leitor.
Ninguém sabe disso. Minha mãe foi morta logo depois que meu pai/avô soube que nasci. Ele espancara-a até transformar sua cabeça em um denso purê de sangue. E não demorou muito para que meu amado pai se matasse.
Por quê?
Eu explico a vocês: dementia praecox,
ou, simplismente, esquizofrenia. Sempre foi bem típico na minha família, como vocês irão saber.



Jonas Teixeira ( estudante de colégio público e possível doente mental
)

Continua...