quinta-feira, 22 de maio de 2008

20º Corte ( - Triste e deprimente posição de Jonas... - )



Ele contraiu os músculos mais baixos ao sentir um ventinho frio passar entre suas pernas. Parecia até que havia balas de menta brincando no traseiro.
Sutilmente a luz da clarabóia sobre si amainou; o ocaso esticava seu último brilho através do céu enrugado de nuvens.
Jonas tivera seu primeiro contato com insanidade a pouco, via-o dentro da penumbra que começava a se espalhar pelo sótão.
Estava morto de cansaço.
As costas feridas começavam a formar uma fina camada de pus sobre a pele. As mãos imobilizadas por presilhas de couro afiveladas deixavam poucos centímetros para onde olhar, tão somente escutar. Escutar e escutar aquela voz grave e sem hálito daquele estranho senhor Stephen K.
- Stephen K.? – perguntei sem notar que era em pensamentos – “Ká” de “Khef”, de “Ka” e de “Ka-tet”?

-Sim, isso mesmo. Como é que você sabe?
- Li alguma coisa sobre você numa revista, alguns filmes também. Interessantes, mas... , sabe, tem como você me tirar dessa merda de cadeira não, cara?
- Não. Nenhuma possibilidade. Por quê?
- POR NADA, você me prendeu aqui só de sacanagem..., pode dizer.
- He-he.
- Tá rindo de quê?
- De você... vendo aí, desse jeito, todo fodido nessa coisa – regulou o aro dos óculos sobre o nariz - acabou me lembrando de um livro que escrevi. Conhece “Misery”?
- Não. Só gosto de filmes sobre vampiros. Não curto desse tipo de coisa não... é muito sem graça.
- Ganhou até “oscar”, sabe? Fala de uma fã que encontrou seu escritor favorito acidentado e... – foi interrompido pela tosse forçada do rapaz – parece que você não está muito a fim de ouvir histórias agora, né garotão.
- Sinceramente? Não, senhor. Eu só quero que você me solte daqui antes que eu pegue um resfriado ou coisa pior aconteça.
- Não fui eu quem te prendeu aqui. Mas eu vi tudo. Um rapazinho mais novo que você. Anêmico que nem cera. Foi ele quem trouxe.
- E ele, não te viu?
- De forma alguma! Eu estava escondido num lugar seguro. Mas ele também parecia meio perturbado. Na verdade, olhar pra ele já era bem perturbador. Ele te arrastou da escola até aqui, depois que o aleijado botou pra quebrar com a bomba.
- Mas ninguém me viu? Como é que ele conseguiu sair assim?
- Não sei não, nem prestei atenção. Por quê?
- Ah... deixa pra lá. O que você tá vendo aí? Essas drogas de placas não me deixam ver nada que não sejam teias de aranha no teto.

- Um criado mudo. – disse senhor Stephen inclinando-se levemente.
- Un-hum.
- Luvas cirúrgicas.
-Sei. Sei...
- Vaselina.
- Tá. E...
- Uma daquelas tesouras encurvadas de podar plantas.
- Sim. O que mais?
- Você quer mesmo que eu continue? Eu ainda não cheguei às piores coisas aqui. Tem até uma sola de sapato cheia de pregos. Queria saber o que alguém faria com uma coisa dessas.
- Poxa... Que droga...
- Olha só! O cara arranjou até uma colherzinha de sobremesa! Você acredita numa coisa dessas?!
- Acho que não tenho muita opção, não é, senhor Stephen?
- He-he... acho que não, não mesmo.

A escuridão tomou o ambiente por completo enquanto o sol se escondia maliciosamente por trás do horizonte. Jonas tossiu, agora sem fazer força. Duas rajadas de vento fizeram seus dentes baterem um contra o outro. O frio era maior que o medo. Agora esperava um deles passar.

Contudo, a espera não seria longa, Lúcio subia furtivamente as escadas para o sótão, com um caderno de recorte e colagem (fotografias antigas e novas dos seus pais falecidos) e um copo de pepsi sem gás na outra.
Não podemos esquecer de citar também as muitas idéias psicóticas sobre pesquisas secretas dentro do cérebro, sendo fomentadas na mesma região onde residia nossa saudosa Solitária:
Agente infiltrado do programa de inspeção de massas.:
Agente infiltrado do programa de inspeção de massas.:
Agente infiltrado do programa de inspeção de massas.:
Agente infiltrado do programa de inspeção de massas.:
Era mais forte do que ele. E ainda que não fosse, Lúcio cederia...






ais forte que ele. Mas ainda que não fosse, Lúcio cederia.



terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

19º Corte ( - Lá fora o ar era bem mais pesado - )

Áhlima pôde confirmar isso enquanto sugava grandes porções de oxigênio pela boca.

Os pulmões se expandiam e contraiam, as pernas latejavam e a barriga conservava um frio que não queria lhe abandonar.

As mãos que envolviam o cabo inoxidável da cadeira de rodas sentiam o sangue por baixo da pele. Ainda podia ouvir a onda de choque da explosão zumbindo em seus ouvidos. Contudo, estava viva, não é? Nenhum daqueles caras enfiaram uma bala na sua cabeça. Nem sequer a tocaram com um só dedo; “acho que tenho um bom motivo pra agradecer esse maluco aleijado...” pensou.

As cognições só se deram conta de que já estava fora do colégio quando o paraplégico engasgou a primeira palavra: “caralho!” disse, “você viu aquilo?! Eu não sabia que o negócio ia fazer tanto estrago! AH-HÁ-HÁ-HÁ! Aqueles infelizes devem ter explodido junto com a coisa toda”.

Iúre não tinha idéia do quanto estava certo. Uma breve olhada pra dentro do refeitório revelaria a nova pintura em vermelho sangue, nas frestas e buracos das paredes, preenchidas com entranhas escuras escorrendo para o chão. Mas ele não olhou, e sim, seguiu a diante como o velho mundo.

- Caralho, moça! – Disse no seu usual e vulgar tom de descontração, - foi por pouco que aquele viado não explode a sua cabeça! Muito pouco mesmo! AH-Há-Há-Há! É bem possível que a faxineira estivesse passando o esfregão pra limpar seus miolos nesse momento se eu não tivesse feito nada.




Áhlima tentou esconder um sorriso entre os lábios, mas o branco dos dentes logo surgiu dentre aquelas bochechas coradas. Falou:

- Você matou aqueles caras, né? – curta pausa; falta-do-que-dizer – Ãhn..., onde é que você arranjou aquela bomba? Quer dizer, essas coisas deviam ser meio difíceis de se encontrar por aí.

- Ih, moça. Já tinha essa nitroglicerina guardada faz maior tempão. Só tava esperando uma oportunidade boa pra usar. Sabe como é que é, né? Mas bem antes de começarem a racionalização tinha umas coisas que havia trazido da minha antiga casa lá na Cidade Que Ficou Debaixo D’água. Umas coisinhas bastante interessantes. Eu só não esperava ter que explodir seres humanos, especialmente alguém no colégio.

Ele não expressava uma só gota de sensatez, como se tudo não passasse de um jogo perigoso. Despreocupadamente Iúre apontou para uma trilha que conduzia para fora dos muros da escola. As árvores secas e enrugadas ladeavam tristemente aquele caminho. Se elas pudessem falar, falariam, tanto quanto um cadáver na esquina. Apesar das raízes duras saltando do solo fazerem sua cadeira de rodas sacudir de vez em quando, Iúre perscrutou os arredores e não encontrou resistência. Por sua vez, Áhlima estava tão assustada que sentia as batidas do coração no céu da boca. Os olhos ardiam e não ocultavam sua agitação. Nem tinha idéia do que diria para mãe quando chegasse em casa ou à polícia quando resolvesse bater à porta da mesma. Morta de medo. (Mas não morta, pelo menos.)




Ao passo de que se aproximavam da estreita porta dos fundos, os dois ouviram sons irritantes vindo bem atrás. Distinguiram aos poucos. Uma ambulância com a sirene engasgando e dois carros da polícia no portão principal.

- Parece que a polícia ainda existe, afinal. –Iúre disse, enfático, - pelo menos pra foder com a gente... eles podiam ter aparecido antes, antes de partirem minha medula com uma bala. Porcos.

- Ei, cara! – Áhlima virou um pouco a cadeira pra que ele visse também, - vendo ali? Estranho. Tem um sujeito arrastando um ferido pra fora do refeitório. Deve ser aquele cara novo que tava com você! Como era mesmo o nome dele?...

- Jonas, eu acho...

-Vamos ver como ele está... – ela corou sem reconhecer que havia corado.

- Esquece isso, garota. Depois a gente resolve. Por enquanto vamos sumir daqui e rezar pra que ninguém de lembre de nós e reconheçam. (Ah! Uma coisa. Só tem uma pergunta que eu queria fazer desde o início.)

- Faça.

- Esses seus peitos são de verdade ou você mandou fazer? – Iúre riu enquanto eles balançavam na sua nuca.

Áhlima parou de repente, dando um brusco solavanco na cadeira de rodas. Não por causa da injúria devido ao triste comentário do paraplégico, mas pelo calor da mão que a segurou pelo braço e por uma voz baixa que lhe disse assim:

- Espero que eu não esteja atrapalhando nada entre vocês, Iúre.

- Essa não. Mas que porr...