terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

19º Corte ( - Lá fora o ar era bem mais pesado - )

Áhlima pôde confirmar isso enquanto sugava grandes porções de oxigênio pela boca.

Os pulmões se expandiam e contraiam, as pernas latejavam e a barriga conservava um frio que não queria lhe abandonar.

As mãos que envolviam o cabo inoxidável da cadeira de rodas sentiam o sangue por baixo da pele. Ainda podia ouvir a onda de choque da explosão zumbindo em seus ouvidos. Contudo, estava viva, não é? Nenhum daqueles caras enfiaram uma bala na sua cabeça. Nem sequer a tocaram com um só dedo; “acho que tenho um bom motivo pra agradecer esse maluco aleijado...” pensou.

As cognições só se deram conta de que já estava fora do colégio quando o paraplégico engasgou a primeira palavra: “caralho!” disse, “você viu aquilo?! Eu não sabia que o negócio ia fazer tanto estrago! AH-HÁ-HÁ-HÁ! Aqueles infelizes devem ter explodido junto com a coisa toda”.

Iúre não tinha idéia do quanto estava certo. Uma breve olhada pra dentro do refeitório revelaria a nova pintura em vermelho sangue, nas frestas e buracos das paredes, preenchidas com entranhas escuras escorrendo para o chão. Mas ele não olhou, e sim, seguiu a diante como o velho mundo.

- Caralho, moça! – Disse no seu usual e vulgar tom de descontração, - foi por pouco que aquele viado não explode a sua cabeça! Muito pouco mesmo! AH-Há-Há-Há! É bem possível que a faxineira estivesse passando o esfregão pra limpar seus miolos nesse momento se eu não tivesse feito nada.




Áhlima tentou esconder um sorriso entre os lábios, mas o branco dos dentes logo surgiu dentre aquelas bochechas coradas. Falou:

- Você matou aqueles caras, né? – curta pausa; falta-do-que-dizer – Ãhn..., onde é que você arranjou aquela bomba? Quer dizer, essas coisas deviam ser meio difíceis de se encontrar por aí.

- Ih, moça. Já tinha essa nitroglicerina guardada faz maior tempão. Só tava esperando uma oportunidade boa pra usar. Sabe como é que é, né? Mas bem antes de começarem a racionalização tinha umas coisas que havia trazido da minha antiga casa lá na Cidade Que Ficou Debaixo D’água. Umas coisinhas bastante interessantes. Eu só não esperava ter que explodir seres humanos, especialmente alguém no colégio.

Ele não expressava uma só gota de sensatez, como se tudo não passasse de um jogo perigoso. Despreocupadamente Iúre apontou para uma trilha que conduzia para fora dos muros da escola. As árvores secas e enrugadas ladeavam tristemente aquele caminho. Se elas pudessem falar, falariam, tanto quanto um cadáver na esquina. Apesar das raízes duras saltando do solo fazerem sua cadeira de rodas sacudir de vez em quando, Iúre perscrutou os arredores e não encontrou resistência. Por sua vez, Áhlima estava tão assustada que sentia as batidas do coração no céu da boca. Os olhos ardiam e não ocultavam sua agitação. Nem tinha idéia do que diria para mãe quando chegasse em casa ou à polícia quando resolvesse bater à porta da mesma. Morta de medo. (Mas não morta, pelo menos.)




Ao passo de que se aproximavam da estreita porta dos fundos, os dois ouviram sons irritantes vindo bem atrás. Distinguiram aos poucos. Uma ambulância com a sirene engasgando e dois carros da polícia no portão principal.

- Parece que a polícia ainda existe, afinal. –Iúre disse, enfático, - pelo menos pra foder com a gente... eles podiam ter aparecido antes, antes de partirem minha medula com uma bala. Porcos.

- Ei, cara! – Áhlima virou um pouco a cadeira pra que ele visse também, - vendo ali? Estranho. Tem um sujeito arrastando um ferido pra fora do refeitório. Deve ser aquele cara novo que tava com você! Como era mesmo o nome dele?...

- Jonas, eu acho...

-Vamos ver como ele está... – ela corou sem reconhecer que havia corado.

- Esquece isso, garota. Depois a gente resolve. Por enquanto vamos sumir daqui e rezar pra que ninguém de lembre de nós e reconheçam. (Ah! Uma coisa. Só tem uma pergunta que eu queria fazer desde o início.)

- Faça.

- Esses seus peitos são de verdade ou você mandou fazer? – Iúre riu enquanto eles balançavam na sua nuca.

Áhlima parou de repente, dando um brusco solavanco na cadeira de rodas. Não por causa da injúria devido ao triste comentário do paraplégico, mas pelo calor da mão que a segurou pelo braço e por uma voz baixa que lhe disse assim:

- Espero que eu não esteja atrapalhando nada entre vocês, Iúre.

- Essa não. Mas que porr...