quinta-feira, 28 de junho de 2007

5º Corte ( - “Que merda é essa...” - )

“...que eu tô sonhando?” Áhlima começou a pensar, “ todo dia eu sonho com essa coisa! Será que estou ficando maluca? Sei lá . Acho que tô tomando café demais. Ou minha mãe deve tá botando alguma porcaria na comida. Melhor eu nem falar nada com mamãe, senão ela vai me levar no psiquiatra de novo e vou ter que ficar escutando aquela bichinha falando um monte de besteira no meu ouvido...”

Quarenta alunos que não calavam a boca. A sala de aula estava uma confusão. Conforme o tempo se passava, os professores se conformavam cada vez mais com o mau comportamento dos alunos, principalmente depois que um deles trouxera uma pistola Taurus modelo PT-92 e virara as tripas da professora de matemática do avesso.

Áhlima esperava ansiosa a hora de sair daquele purgatório de futilidades.

“Esses miseráveis não sabem falar de outra coisa que não seja a merda de um vestido ou um carro?”, pensou enquanto um garoto se exaltava num grupo de alunos do outro lado da sala.

Na falta do que fazer, Áhlima resolveu ajeitar os seios no sutiã e pentear os cabelos pretos.

4º Corte ( - A maçaneta girou... - )

...e Áhlima despertou na sala de aula. Na maldita aula de literatura. Professora maldita. Matéria maldita. Sempre pensava e não sabia quem odiar mais. Não entendia nem o porquê de tanto ódio. ”Não importa,” pensou limpando a saliva que escorrera de sua boca na mesa.

Sempre se sentava na frente e dormia constantemente. Ninguém se importava com a garota invisível. Ela muito menos, e preferia assim. Os professores pouco se importavam também.



Nos primeiros dias de aula, até houve um ou outro que mexera com ela por causa do tamanho exagerado de seus seios. Todavia, Áhlima não era uma garota qualquer. Era uma garota pálida que adorava morder rapazes abusados.

Após mutilar o supercílio de um rapaz usando os dentes, porque ele lhe tentara agarrar, ninguém mais conseguiu ver Áhlima. A pálida garota de dezesseis anos ficou invisível. Mas isso pouco importava.

terça-feira, 26 de junho de 2007

3º Corte ( - Não havia nada, - )

nenhuma luz que pudesse deixar visível o rosto de Áhlima dentro daquela escuridão. Mesmo sua pele pálida, quase fluorescente, não podia se definir naquele breu.
Ela não via, apenas sentia a pele macia de seu irmãozinho pulsando entre seus dedos.
x x x
Ia desenhar uma linha vermelha com a faca no pescoço, quando, de repente, escutou os passos de sua mãe apertarem o assoalho lá fora.
Plá.PláPlá.
Sob seus pés, Áhlima podia sentir a vibração do choque de tamancos.
"Mas que merda!", pensou.
Sua mãe parecia estar vindo na direção da porta do quarto. Exatamente como os tremores no chão indicavam.
"Eu tô ferrada!"
Um breve instante. A respiração de Áhlima tornou-se ainda mais pesada. Quase não agüentou o denso ar atravessando sua garganta.
Cinco segundos.
A maçaneta ruidosamente girou. E a porta se abriu.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

2º Corte ( - Áhlima... - )

...tinha seus irmãos gêmeos na palma da mão, quando, em pé, de frente para o beliche, ergueu a faca de carne sobre sua própria cabeça. Ela envolveu o pescoço de César com a mão esquerda, e imaginou ser um emissário de Deus trazendo a morte para a pequena criança. Lentamente desceu a lâmina mal afiada. Um ritual desconhecido.




Conforme a faca formava um arco no ar, ela chegava seu rosto cada vez mais perto sentindo a respiração pesada do irmão.
Queria saber o que Deus está pensando agora, refletiu. César vai saber no meu lugar.
Mordeu o lábio inferior até perder a circulação. Ficou ligeiramente pálido.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

1º Corte ( - Minha mãe despertou, -)

sentiu a luz do refletor tocar-lhe os olhos e contraiu-os enquanto sua placenta era rasgada pela primeira vez por um feto .
O ar contaminado do hospital foi o segundo contato eu que tinha com o mundo, além daquelas mãos cobertas por luvas de borracha puxando minha cabeça.
Eu respirei. E o oxigênio temperado com essência hemocorial invadiu meus pulmões.
Chorei. Meu corpo tingido de sangue materno deslizava para fora como suco de morango fresco.
O médico não me encarou. Não por repulsa. Eu apenas não era especial, só mais um embrião que se desenvolvera demais e conseguira nascer naquela tarde de abril.







Eu nasci em algum hospital do subúrbio.
Logo depois de minha mãe me conceber, deixou meu corpo entregue para adoção. Ela sim sentiu nojo de mim.
Repudiou-me ao ver o que um estupro lhe trazia em suas mãos. Eu era a perfeita memória dos socos e chutes que levara quando fora violada pelo seu pai.
Mas eu não sei de nada disso, amado leitor.
Ninguém sabe disso. Minha mãe foi morta logo depois que meu pai/avô soube que nasci. Ele espancara-a até transformar sua cabeça em um denso purê de sangue. E não demorou muito para que meu amado pai se matasse.
Por quê?
Eu explico a vocês: dementia praecox,
ou, simplismente, esquizofrenia. Sempre foi bem típico na minha família, como vocês irão saber.



Jonas Teixeira ( estudante de colégio público e possível doente mental
)

Continua...