quarta-feira, 17 de outubro de 2007

18º Corte ( - Jonas abriu os olhos. - )

Com dificuldade tentou levantar o corpo ferido, faltando dois milímetros de pele em quase toda a área das costas. Esforçou-se inutilmente. O magro rapaz encontrava-se preso numa velha mesa para exames ginecológicos.

Não conseguia enxergar além das vigas de sustentação logo acima. Parecia estar num grande sótão embolorado. Seu crânio estava preso entre duas placas de ferro adaptadas na mesa para obstruir a visão do rapaz. (Conforme as técnicas descritas no Manual Universal de Tortura Contemporânea ensinavam). Jonas sentia fome, suava muito e reparou de repente que estava sem as roupas.



“Que espécie de maluco faria isso comigo?!” disse em voz baixa.

Ficou ali parado escutando seu estômago roncar por mais vinte minutos, sentindo o suor umidecendo seu corpo. Abafado.

De repente, fez-se ouvir uma voz:

“Um pervertido sexual, talvez. Por quê? Tem algum problema nisso?”

“Quem está aí? O que eu fiz pra você me prender??”

Ele mesmo. Não era Lúcio, mas a voz reverberante de sua esquizofrenia congênita. O nome era:




"Senhor Stephen K., Muito prazer.”





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17º Corte ( - Lúcio. - )

Ele tinha pouco mais de treze anos quando seus pais morreram. O engraçado é que nunca acharam os corpos, só uma gravação em fita k-7 na saída da estação de metrô com a última conversa entre os dois.

O estranho fato nunca foi explicado. Quem fizera a gravação e quando fora gravado, eram informações que haviam sido sepultadas junto com os dois cadáveres.




Naquela idade Lúcio já possuía uma independência que não se via em adolescentes da mesma faixa etária. Foi sumariamente emancipado por isso. O Governo preferiu assim.

Cozinhava, lavava e passava suas roupas de escola; tinha um trabalho de meio expediente no setor administrativo de uma loja de revistas em quadrinhos.

Obcecado, o garoto mantinha o estranho hábito de procurar mensagens ocultas nelas. Nas ilustrações e textos impressos no papel, acreditava existir um código secreto, uma conspiração governamental. Algum segredo tão terrível, que as pessoas ficariam loucas e se matariam apenas pelo seu conhecimento. Algo que apenas sua mente (subjetivamente) genial poderia suportar.

Sem dúvidas, Júlio era um louco, mas não louco o suficiente ainda...


X x X


Tudo começou quando foi ao supermercado naquela sexta feira treze. Dirigiu-se à pequena seção de açougue e comprou a carne do Porco contaminada com cistos de taenia solium. A saudosa Solitária.

Lúcio levou aproximadamente trezentos gramas de lobo do Porco para casa e preparou da maneira preferida: mal passada. Quase crua. Quase gemendo e grunhindo sob o peso da faca sobre a tábua de carne...




Daí por diante você pode imaginar o que aconteceu... os cistos ingeridos eclodiram e as larvas migraram para o cérebro dando origem a uma bela e perniciosa neurocisticercose. Ao passo de dois anos, Lúcio foi acometido de convulsões epileptiformes, hipertensão intracraniana e principalmente a um quadro psiquiátrico demência.

Sua mente louca, naturalmente, produziu uma fantasia de que estava sendo sondado por alguma cápsula da alta esfera do Governo, e muitas vezes imaginava uma perseguição desconfiando de quem quer que se aproximasse.

Já com dezesseis anos, começou a seqüestrar pessoas aleatoriamente, quem lhe parecesse o mínimo suspeito, e as levava para o sótão de sua casa...

Mas se você o visse de perto, nunca pensaria isso de Lúcio. Se você fosse uma garota, até o acharia uma companhia interessante para se estar no escuro de uma sala de cinema...




Lúcio estudava na mesma instituição de ensino que Iúre. E no momento da explosão no refeitório, seus neurônios fervilharam projetando uma teoria caótica na velocidade da luz. Seu cérebro fragmentou-se numa sucessão pragmática de imagens. A curiosidade e loucura infligida pelo verme cefálico o levaram a correr até lá.

Quando chegou, viu os corpos despedaçados dos alunos.

Gravou bem na memória o rosto de Júlio caído e deu alguns passos na direção de Jonas.

As costas do rapaz expunham carne chamuscada. O cheiro forte dos outros mortos não incomodaram nem um pouco a Lúcio. Ele estava resfriado e perdera um pouco da sensibilidade olfativa.

Parou enfrente ao corpo estirado no chão. Subiam vapores de fumaça em espirais das costas de Jonas.

Lúcio o chutou três vezes. Sem resposta. Nenhuma reação positiva ou negativa.

Sua cabeça latejava e inspirações doentias lhe diziam:

“Agente infiltrado do programa de inspeção de massas do governo. Ele quer o que você tem na cabeça. Quer a sonda. Você sabe demais, Lúcio, e eles sabem disso. Eles vão matar você por isso. Você tem que fazer alguma coisa, seu estúpido!”.

Os pêlos eriçaram da nuca até os calcanhares. As veias da testa ficaram surpreendentemente visíveis e, por causa de uma inexplicável perversão, Lúcio sentiu algo endurecer dentro das calças.

A voz maligna reverberou no seu crânio outra vez.

“Vamos lá, Lúcio! Ninguém chegou ainda. Se você for rápido pode arrastar esse miserável até lá fora! Esses escrotos não vão conseguir te pegar, Lúcio!”.

Ele pensava como se fosse uma outra pessoa dentro dele, alguém que o compreendia, que partilhava de suas suspeitas de um iminente fim de mundo, alguém que, acima de tudo, o amava... ele era doente.

16º Corte ( - A lâmina chiou... - )

...e o Porco grunhiu de dor enquanto o cutelo desenhava um sádico sorriso em sua garganta.

Incessantemente sua vida escorreu através do ferimento. Ele se sacudiu todo como um daqueles bonecos de posto de abastecimento. O sangue foi aspergido no ar devido à pressão concentrada na carótida.






O fluído desceu da garganta para uma bacia de metal envelhecido e depois conduzido através de um complexo de calhas e encanamentos ao imenso tanque externo.

O sistema de roldana conduziu o corpo Porco a uma ante-sala, onde um senhor idoso que não tinha a ponta dos quatro dedos da mão esquerda (exceto o polegar) o aguardava. Ele não os possuia mais por certa vez, ter abatido porcos dopado com fenergan, um remédio para alergia.

Esperava ansioso para imergi-lo ainda vivo na água fervente.

Se o objetivo no processo era destruir o cisto entre as fibras musculares do Porco com o calor da água, então não foi alcançado. A fila era grande e muitos outros deviam ser abatidos naquela manhã ainda. Então, para acelerar o processo, o idoso contentou-se em deixar o Porco um terço do tempo previsto dentro da banheira com a água borbulhante.

Por isso, o Porco acabou chegando ainda vivo no processo de esfolamento.

Lá, o pulmão se contraiu pela última vez enquanto sua pele era arrancada do corpo.

Morreu. Sem dúvida.

Mas sua carne ainda não havia passado por todo o processo do sistema de abate. Depois da esfola, foi jogado numa mesa de madeira (que não carecia nada de fungos verdes enterrados entre os orifícios decompostos).



Ligeiramente prensado, o mais compacto possível.

O Porco foi fatiado, embalado e distribuído nas prateleiras frias dos supermercados da grande cidade.

O que fora outrora um Porco feliz. Agora era produto alimentício contaminado...

O cisto permaneceu adormecido, escondido furtivamente no lombo da criatura.

15º Corte ( - Havia um cisto. - )

Um cisto entranhado nas carnes vivas de um Porco.

O animal andava de um lado ao outro esperando a ração ser servida naquele dia. O que o tal Porco não sabia, era que aquele dia era um dia especial.

O último dia de sua inútil vida.

Diferindo-se dos outros companheiros suínos, tensos por causa das péssimas condições de alojamento, ele não via a hora de servirem a ração com farelo de ossos de outros porcos.

Porcos canibais.

Ele era Porco bem diferente dos outros. Especialmente por uma bela ferida necrosada se afundando em seu dorso. Não se importava com as instalações deprimentes daquele abatedouro clandestino.



Os outros porcos sentiam no ar algo indubitavelmente errado e se agitavam atacando uns aos outros. Ele não. Sentia apenas o cheiro de cadáveres de outros porcos sacrificados no dia anterior. Dava mais fome. Uma torturante fome que corroia seu estômago.

Fazia um frio de sete graus lá fora, quando um homem de avental segurando uma pistola de eletro choque deu seus passos na direção do curral. O assíduo carrasco.

Ele cuspiu o filtro de cigarro.

Estalou os dedos.

E sacudiu a pistola.

Tensão de duzentos e quarenta volts.

Exatas.

Conforme se aproximava, o desespero tomava conta dos suínos.

Apesar das drogas na ração, para evitar que os porcos se matassem devido ao pouco espaço, parecia sobrenatural a maneira como os animais se agitavam e sabiam o que estava para se suceder ali.

Não haveria uma última refeição para o nosso Porco. E ele não se importava. Contentava-se apenas com as fezes secas de outros porcos no chão.

O choque repentino de duzentos e quarenta volts correu pelas fibras musculares do Porco fazendo revirar os olhos e babar.



Estava tão gordo e sedentário devido à castração que caiu imediatamente. Um outro ligeiro choque serviu para que ele se levantasse grunhindo.

Os cem porcos alucinados foram conduzidos a pancadas elétricas no crânio até um corredor completamente escuro. Apenas uma saída no cercado. Era um abatedouro pequeno.

Todos os animais entalaram no breu. Gemendo e mordendo-se. Mutilando-se em meio ao desconhecido.

Agora o Porco não estava mais tranqüilo.

Mesmo sem ter a capacidade de produzir uma gota de testosterona, ele podia ouvir um vermezinho chamado instinto dentro do seu sangue berrando:

- Corra Porco! Corra!

Ele derrubou três outros porcos no chão antes de encontrar o fim do corredor. Correu como um atleta olímpico antes de dar de frente com a própria morte no fim do corredor.

Ao se abrir a porta uma luz surgiu descrevendo a silhueta de outro homem com uma daquelas pistolas elétricas mortais.

Só precisou de uma descarga e o infeliz animal caiu com um baque surdo no chão. O homem de avental e botas brancas puxou o Porco para fora e fechou a porta de madeira. Um porco rebelde tentou sair logo atrás e ganhou de recompensa o choque responsável por estourar a mucosa de seu focinho.

Ele grunhiu. O homem sorriu.

Depois disso, pendurou o Porco de ponta cabeça em ganchos de aço inoxidável novos, perfurando os pés.

As pernas não agüentaram o peso da carne gordurosa do animal.

Clac!

Cederam e se quebraram dolorosamente. O Porco guinchou de dor.

O homem sorriu novamente; acendeu um cigarro. Jogou o fósforo saindo fumaça na cara do Porco.

A tensão fez o animal morder a própria língua ainda dormente por causa do choque elétrico.

O Porco só conseguia ouvir. As lágrimas e o aumento da pressão no globo ocular impediam que enxergasse, então ouviu o barulho do cutelo sendo apanhado na bancada de alumínio.


Os passos.

Aquele riso. Podia ouvir os lábios rangendo enquanto o Carrasco sorria.

Ele deu alguns passos ruidosos quando se aproximou. Sugou mais fumaça pra dentro dos pulmões. O cigarro entre os dentes.

- É porquinho. Dessa vez você é o porco e eu sou Deus! Quem sabe da próxima vez você dê sorte e a gente inverta os papeis? Hein? AHAHAHA!

Ele encostou a lâmina na garganta do infeliz e, como eu dizia antes:

“Havia um cisto”.

“Um cisto entranhado nas carnes vivas de um Porco”.