Ele tinha pouco mais de treze anos quando seus pais morreram. O engraçado é que nunca acharam os corpos, só uma gravação em fita k-7 na saída da estação de metrô com a última conversa entre os dois.
O estranho fato nunca foi explicado. Quem fizera a gravação e quando fora gravado, eram informações que haviam sido sepultadas junto com os dois cadáveres.
Naquela idade Lúcio já possuía uma independência que não se via em adolescentes da mesma faixa etária. Foi sumariamente emancipado por isso. O Governo preferiu assim.
Cozinhava, lavava e passava suas roupas de escola; tinha um trabalho de meio expediente no setor administrativo de uma loja de revistas em quadrinhos.
Obcecado, o garoto mantinha o estranho hábito de procurar mensagens ocultas nelas. Nas ilustrações e textos impressos no papel, acreditava existir um código secreto, uma conspiração governamental. Algum segredo tão terrível, que as pessoas ficariam loucas e se matariam apenas pelo seu conhecimento. Algo que apenas sua mente (subjetivamente) genial poderia suportar.
Sem dúvidas, Júlio era um louco, mas não louco o suficiente ainda...
X x X
Tudo começou quando foi ao supermercado naquela sexta feira treze. Dirigiu-se à pequena seção de açougue e comprou a carne do Porco contaminada com cistos de taenia solium. A saudosa Solitária.
Lúcio levou aproximadamente trezentos gramas de lobo do Porco para casa e preparou da maneira preferida: mal passada. Quase crua. Quase gemendo e grunhindo sob o peso da faca sobre a tábua de carne...
Daí por diante você pode imaginar o que aconteceu... os cistos ingeridos eclodiram e as larvas migraram para o cérebro dando origem a uma bela e perniciosa neurocisticercose. Ao passo de dois anos, Lúcio foi acometido de convulsões epileptiformes, hipertensão intracraniana e principalmente a um quadro psiquiátrico demência.
Sua mente louca, naturalmente, produziu uma fantasia de que estava sendo sondado por alguma cápsula da alta esfera do Governo, e muitas vezes imaginava uma perseguição desconfiando de quem quer que se aproximasse.
Já com dezesseis anos, começou a seqüestrar pessoas aleatoriamente, quem lhe parecesse o mínimo suspeito, e as levava para o sótão de sua casa...
Mas se você o visse de perto, nunca pensaria isso de Lúcio. Se você fosse uma garota, até o acharia uma companhia interessante para se estar no escuro de uma sala de cinema...
Lúcio estudava na mesma instituição de ensino que Iúre. E no momento da explosão no refeitório, seus neurônios fervilharam projetando uma teoria caótica na velocidade da luz. Seu cérebro fragmentou-se numa sucessão pragmática de imagens. A curiosidade e loucura infligida pelo verme cefálico o levaram a correr até lá.
Quando chegou, viu os corpos despedaçados dos alunos.
Gravou bem na memória o rosto de Júlio caído e deu alguns passos na direção de Jonas.
As costas do rapaz expunham carne chamuscada. O cheiro forte dos outros mortos não incomodaram nem um pouco a Lúcio. Ele estava resfriado e perdera um pouco da sensibilidade olfativa.
Parou enfrente ao corpo estirado no chão. Subiam vapores de fumaça em espirais das costas de Jonas.
Lúcio o chutou três vezes. Sem resposta. Nenhuma reação positiva ou negativa.
Sua cabeça latejava e inspirações doentias lhe diziam:
“Agente infiltrado do programa de inspeção de massas do governo. Ele quer o que você tem na cabeça. Quer a sonda. Você sabe demais, Lúcio, e eles sabem disso. Eles vão matar você por isso. Você tem que fazer alguma coisa, seu estúpido!”.
Os pêlos eriçaram da nuca até os calcanhares. As veias da testa ficaram surpreendentemente visíveis e, por causa de uma inexplicável perversão, Lúcio sentiu algo endurecer dentro das calças.
A voz maligna reverberou no seu crânio outra vez.
“Vamos lá, Lúcio! Ninguém chegou ainda. Se você for rápido pode arrastar esse miserável até lá fora! Esses escrotos não vão conseguir te pegar, Lúcio!”.
Ele pensava como se fosse uma outra pessoa dentro dele, alguém que o compreendia, que partilhava de suas suspeitas de um iminente fim de mundo, alguém que, acima de tudo, o amava... ele era doente.