O modelo dela era Browning Hipower calibre nove milímetros; munição sempre na câmara, pronta para atirar.
Se Júlio era o melhor atirador num raio de cinco quilômetros, Iúre era, sem dúvida, o melhor em dez quilômetros. A maioria nem se aventurava a aproximar-se do atirador paraplégico, o que o tornava tão invisível quanto Áhlima.
Na hora do almoço ficava sozinho à mesa, evitado como um cão raivoso qualquer.
Ele não gostava de admitir, mas odiava ficar só.
Depois que o maldito ex-detento matara seu pai e lhe arrancara a capacidade de andar (com um tiro no meio da espinha), Iúre foi obrigado a se virar sozinho naquela cidade.
Primeiro, comprou sua pistola Browning Hipower cheirando a nova. Os Garotos do Outro Lado da Linha do Metrô arranjavam munição bastante barata; (às vezes custavam simples informações sobre as pessoas “do lado de cá”).
Em menos de uma semana de treino já conseguia agrupar oito em dez tiros no alvo improvisado, feito numa árvore podre de num terreno baldio perto de casa.
A segunda atitude de Iúre foi se vingar... bem, essa é uma outra história que deixarei para mais tarde.
Enfim.
Depois disso, ninguém nunca mais ousou chegar perto de Iúre, tratando-o como se fosse uma horrenda aberração invisível. Ele deslizava com sua cadeira de rodas feito um fantasma, entrando e saindo pelas salas, ignorado o máximo possível pelas pessoas.
Fora eu o primeiro que lhe dirigira uma palavra sem demonstrar medo em dois anos.
No primeiro instante, quando Iúre me contou sua história, tive a impressão de que ele sofria alguma espécie de perturbação mental...
A coragem estúpida e ameaçadora contida em sua voz tinha que ser loucura. Excedendo a autoconfiança. Não imaginaria nunca alguém na condição de Iúre encarando um monte de rapazes enormes e armados. Preso em naquela cadeira de rodas.
Júlio sorriu francamente, como um curinga numa carta de baralho. Debaixo do uniforme escolar seus músculos tensos esticavam o tecido.
“Você tá maluco, metade de presunto podre?”
Revólver Smith & Wesson modelo sessenta coçou junto à virilha.
Apareciam mais e mais motivos para Júlio atirar. Mais e mais cabeças para detonar com a munição de cordite importada.
“Você pretende fazer o quê sentado nessa cadeira de rodas? Levar a gente para participar das para-olimpíadas?”
Iúre foi subestimado, coisa que Júlio costumava fazer com todos. Afirmando para si mesmo que mandava por aquelas redondezas.
“Perfeito” pensou o aleijado.
Eu não entendia muito bem aquela situação. Todos sacando suas armas de tantos bolsos ocultos ou do cinto das calças jeans. Era coisa demais para minhas cognições absorverem.
A visão de Iúre puxando sua Browning Hipower nove milímetros de debaixo da coxa me fez congelar.
Contudo, havia algo mais de aterrador naquela cena. Algo que me fez arregalar os olhos até as têmporas. A prova final de que Iúre beirava a insanidade.
Precisamente em suas mãos calejadas, estava um explosivo de fabricação caseira a base de nitroglicerina.
Como todos sabem, bombas desse tipo não são muito famosas por sua estabilidade. Um choque de leve é capaz de transformar um ser humano numa amputação tamanho família, bem econômica.
Iúre não conseguia esconder o sorriso seco. A ilusão do controle.
“Larga a vagabunda, play-boy de merda!!”
Ele indubitavelmente o intimidara.
Júlio levantou as sobrancelhas de maneira sincera e disse:
“Se eu fosse você não apareceria nunca mais por aqui, seu doente.”
“Acho que você se torna mais doente ainda quando ameaça um... cara como eu.”
O belo rapaz abaixou seu revólver sem tentar esconder a tremedeira de medo e raiva. Os outros fizeram o mesmo.
Áhlima correu para o nosso lado quase gargalhando.
“Seu escroto! Agora tá com o cu na mão, né, gostosão?! Você é daqueles tipos de covardes que se mijam todo quando estão por baixo! SEU BUNDÃO!”
Júlio tremeu mais ainda:
“Se eu fosse você começava a aprender a atirar, menininha. Ou você vai parar numa cadeira igual a essa em que o rapazinho inválido está... entendeu menininha?”
Nós o ignoramos e nos dirigimos para a saída dos fundos. Áhlima sentiu o frio da cadeira de rodas quando começou a empurrar Iúre. Eu estava logo atrás.
Uma corrente de sangue irrompeu pela minha espinha, era alívio. Parecia que estava em menos perigo do que há dez segundos atrás...
Pouco mais de sete metros e já estaríamos lá fora, em segurança...
Seis metros...
Quatro metros e meio,
Dois metros.
Que pena. Tempo demais.
O tempo necessário para Júlio mudar severamente de idéia e dizer para um de seus colegas: “Atira logo, Filipe.”
Todos levantaram suas armas, engatilharam afoitos e abriram fogo. Ele mesmo não resistiu em dar alguns disparos molhados.
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3 comentários:
Muito bom,muito bom.
Só demorei para entender,por quê não tinha me ligado que o Jonas também estava no refeitório.
É por quê ele não tem muita interação,apenas a narração,aí fiquei meio leso.
Entretanto pra mim tá perfeito,genial,e todos elogios de costumes quando uma obra "Tá boa pra caralho"
Acho que você deve ter notado com isso que ele é um cara meio idiota, sim. Ele é bastante. E não se preocupe... você vai se surpreender com o que ele é capaz de imaginar.
VALEEEEEEU!
Aguardo anciosamente =)
Sei que coisa boa vai vir.
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