terça-feira, 1 de dezembro de 2009

21º Corte ( - Rosanah - )

- Espero que eu não esteja atrapalhando nada entre vocês, Iúre.
O rapaz virou a cabeça inutilmente em sua cadeira de rodas. Praguejou:
- Essa não! Mas que porr...
A mão que tocara Áhlima era macia e sem peso. Quase como uma pena. É isso que faz as pessoas tremerem de medo. Aquele segundo em que você não sabe o que está acontecendo, enquanto agarram sua perna e arrastam para o fundo do abismo. Esmagando sua garganta e afogando. Áhlima ficou em dúvida se alguém estava segurando seu braço de verdade. Um toque assim só como os dedos da morte, a menina pensou. Se não fosse um anjo, certamente teria de ser o desastrado demônio.
Iúre já estava com a mão no gatilho da Browning Hipower nove milímetros ao ouvir a voz dizer: para onde o senhor acha que vai com tanta pressa?
O rapaz tremeu. Apontou a arma para o rosto de uma moça, dona do toque e da voz. Desconheceu-a por um segundo.
Era pequena. O rosto branco, pontilhando por algumas sardas que apareciam por causa do sol. Era linda, linda como um amanhecer, mas poderia- se dizer que escondia um mistério naquela formosura. Algo que não rimava com palavra, porque passava para o lado onde os sentidos e determinações se perdiam, bem antes de serem ouvidos. Às vezes lembrava a doçura de uma mãe olhando nos seus olhos, outras vezes assemelhava-se a uma namorada acariciando com ternura seu par.
Quando queria era invisível. Mas era incapaz de ser doce. Não como açúcar. Seria mais como a doçura da canção do vento à luz do crepúsculo, enquanto toca seu rosto, visita seu espírito.
- Rosanah? Como você veio tão rápido? – perguntou Iúre.
Áhlima virou-se, ainda se recuperando do susto:
- Conhece essa aí, aleijado?
- Rosanah. Ela cuida de mim. Foi emancipada há pouco tempo e o juiz disse que poderia ficar comigo até ficar mais velho, até ser capaz viver sozinho. Um juiz idiota. Eu posso muito bem cuidar de mim mesmo. Você me viu em ação no refeitório. – olhou com disfarçada secura para e moça que chegara, prosseguiu – Rosanah, essa é... qual seu nome mesmo?
- Áhlima. Sou nova na escola. Cheguei ontem na cidade. Parece que a recepção foi de matar, não é? Fogos, tiros. Fizeram até uma decoração nova no refeitório. Tripas ao molho de bombas caseiras. Você por acaso viu?
O som de sirenes já estava bem próximo. Uma ambulância, uma viatura e um carro dos bombeiros. Sim, eram os bombeiros. As luzes giratórias piscavam como se estivessem em frenesi. Alunos eram conduzidos em fileiras indianas para o estacionamento. Eles se entreolharam como se compartilhassem o mesmo pensamento.

3 comentários:

D. X. Bettecher disse...

Juntando adolescentes, fogo, armas e lirismo urbano, o senhor Peri corta a carne fria da rotina e somos abençoados com escritos de alto calibre.

Jonatas Tosta disse...

Fico feliz em ler tão ternas palavras. Espero que entenda também o sentido de alguns erros que deixei no texto. Sempre aparece apontando antes de perguntar o porquê.

COntinue acompanhando que mais projéteis virão, e espero que atinjam bem no centro do seu coração...

abraços!

Edgard disse...

Já disse anteriormente mas vou repetir. "- Ficou muito bom mas... Tá curto. Com esse bifinho, nem dá para fazer uma churrascada."

Queremos é mais!