Uma brisa soprou no rosto de Rosanah. Iúre fez uma careta ao sentir o cheiro de carne queimada no ar e disse:
- Ei, peituda. Depois vocês se apresentam. Por enquanto vamos para casa enquanto ninguém ainda nos viu. Lá vocês podem fofocar à vontade.
Áhlima era temperamental, principalmente quando se tratava de pôr seus seios grandes na conversa. Odiava quando os rapazes a viam como se fosse uma coisa que pudessem tratar como desejassem. Como uma coisa inanimada, com valor de mercado. Já tinha pensado em fazer uma cirurgia para diminuí-los, mas era caro demais para uma garota pobre que viera com praticamente nada do interior. Havia tantos problemas nas ruas e as pessoas ainda conseguiam se importar com o tamanho dos seus seios. Aquele era um forte indício que o mundo realmente havia começado a sucumbir em sua fumaça tóxica. Realmente havia começado a acabar.
- Seu idiota! Se me chamar disso de novo eu viro seus pulmões do avesso! Vou socar tanto sua cara que vão confundir com sua bunda!
- Olhem! Eu salvei essa vadia e o que ela me dá em troca? Um monte de insultos! Eu devia ter deixado aquele infeliz enfiar uma bala entre seus olhos. Não estaria tendo que ouvir essa vaca falando agora...
O sangue de Áhlima permeou sob a pele da face. Ficou enraivecida. O segurou pela garganta e o fez sufocar. Iúre puxou o cão do revólver e apontou na direção dos intestinos da moça.
- Esh-ffá ma-ffu-ca? Ffer Moffer??
- Fala direito seu imbecil.
Rosanah olhou para os dois como se eles fossem insignificantes. Balançou a cabeça e disse:
- Parem. Olhem para lá.
Não mencionou nada mais. Foi imediato. Áhlima largou a garganta de Iúre. Ele abaixou a arma. Ás vezes Iúre ficava com medo da eloqüência da voz de Rosanah. Nunca vira ninguém desobedecer a sua ordem. Não tinha a ver com sua bela aparência, nem com o timbre doce com que articulava as palavras. Tinha a ver com seus olhos. O seu brilho. Dava uma confusa vontade de fugir, ao mesmo tempo em que queria olhar mais, chegar mais perto, se diluir neles.
Rosanah apontou a saída do refeitório. Estava para Lúcio, que arrastava Jonas pela gola da camisa.
- Quem são?
- Acho que o nome é Jonas. O outro não conheço. Nunca vi na escola, ou nunca percebi. Deve ser um daqueles fracassado ou é da turma para garotos especiais. Nome bonito para retardados, não é? Sala 1202. Depois vocês passam lá para fazer caridade. Agora vamos embora. Estou tendo um mau pressentimento sobre ficarmos aqui.
- Sim. Vamos embora. Estou tendo um péssimo pressentimento também.
Rosanah pôs as mãos na cadeira de rodas com naturalidade e seguiu pela trilha de árvores mortas.
{Longe e ali, em outro lugar e todos que pudessem existir, eu digo: ela era linda}.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
21º Corte ( - Rosanah - )
- Espero que eu não esteja atrapalhando nada entre vocês, Iúre.
O rapaz virou a cabeça inutilmente em sua cadeira de rodas. Praguejou:
- Essa não! Mas que porr...
A mão que tocara Áhlima era macia e sem peso. Quase como uma pena. É isso que faz as pessoas tremerem de medo. Aquele segundo em que você não sabe o que está acontecendo, enquanto agarram sua perna e arrastam para o fundo do abismo. Esmagando sua garganta e afogando. Áhlima ficou em dúvida se alguém estava segurando seu braço de verdade. Um toque assim só como os dedos da morte, a menina pensou. Se não fosse um anjo, certamente teria de ser o desastrado demônio.
Iúre já estava com a mão no gatilho da Browning Hipower nove milímetros ao ouvir a voz dizer: para onde o senhor acha que vai com tanta pressa?
O rapaz tremeu. Apontou a arma para o rosto de uma moça, dona do toque e da voz. Desconheceu-a por um segundo.
Era pequena. O rosto branco, pontilhando por algumas sardas que apareciam por causa do sol. Era linda, linda como um amanhecer, mas poderia- se dizer que escondia um mistério naquela formosura. Algo que não rimava com palavra, porque passava para o lado onde os sentidos e determinações se perdiam, bem antes de serem ouvidos. Às vezes lembrava a doçura de uma mãe olhando nos seus olhos, outras vezes assemelhava-se a uma namorada acariciando com ternura seu par.
Quando queria era invisível. Mas era incapaz de ser doce. Não como açúcar. Seria mais como a doçura da canção do vento à luz do crepúsculo, enquanto toca seu rosto, visita seu espírito.
- Rosanah? Como você veio tão rápido? – perguntou Iúre.
Áhlima virou-se, ainda se recuperando do susto:
- Conhece essa aí, aleijado?
- Rosanah. Ela cuida de mim. Foi emancipada há pouco tempo e o juiz disse que poderia ficar comigo até ficar mais velho, até ser capaz viver sozinho. Um juiz idiota. Eu posso muito bem cuidar de mim mesmo. Você me viu em ação no refeitório. – olhou com disfarçada secura para e moça que chegara, prosseguiu – Rosanah, essa é... qual seu nome mesmo?
- Áhlima. Sou nova na escola. Cheguei ontem na cidade. Parece que a recepção foi de matar, não é? Fogos, tiros. Fizeram até uma decoração nova no refeitório. Tripas ao molho de bombas caseiras. Você por acaso viu?
O som de sirenes já estava bem próximo. Uma ambulância, uma viatura e um carro dos bombeiros. Sim, eram os bombeiros. As luzes giratórias piscavam como se estivessem em frenesi. Alunos eram conduzidos em fileiras indianas para o estacionamento. Eles se entreolharam como se compartilhassem o mesmo pensamento.
O rapaz virou a cabeça inutilmente em sua cadeira de rodas. Praguejou:
- Essa não! Mas que porr...
A mão que tocara Áhlima era macia e sem peso. Quase como uma pena. É isso que faz as pessoas tremerem de medo. Aquele segundo em que você não sabe o que está acontecendo, enquanto agarram sua perna e arrastam para o fundo do abismo. Esmagando sua garganta e afogando. Áhlima ficou em dúvida se alguém estava segurando seu braço de verdade. Um toque assim só como os dedos da morte, a menina pensou. Se não fosse um anjo, certamente teria de ser o desastrado demônio.
Iúre já estava com a mão no gatilho da Browning Hipower nove milímetros ao ouvir a voz dizer: para onde o senhor acha que vai com tanta pressa?
O rapaz tremeu. Apontou a arma para o rosto de uma moça, dona do toque e da voz. Desconheceu-a por um segundo.
Era pequena. O rosto branco, pontilhando por algumas sardas que apareciam por causa do sol. Era linda, linda como um amanhecer, mas poderia- se dizer que escondia um mistério naquela formosura. Algo que não rimava com palavra, porque passava para o lado onde os sentidos e determinações se perdiam, bem antes de serem ouvidos. Às vezes lembrava a doçura de uma mãe olhando nos seus olhos, outras vezes assemelhava-se a uma namorada acariciando com ternura seu par.
Quando queria era invisível. Mas era incapaz de ser doce. Não como açúcar. Seria mais como a doçura da canção do vento à luz do crepúsculo, enquanto toca seu rosto, visita seu espírito.
- Rosanah? Como você veio tão rápido? – perguntou Iúre.
Áhlima virou-se, ainda se recuperando do susto:
- Conhece essa aí, aleijado?
- Rosanah. Ela cuida de mim. Foi emancipada há pouco tempo e o juiz disse que poderia ficar comigo até ficar mais velho, até ser capaz viver sozinho. Um juiz idiota. Eu posso muito bem cuidar de mim mesmo. Você me viu em ação no refeitório. – olhou com disfarçada secura para e moça que chegara, prosseguiu – Rosanah, essa é... qual seu nome mesmo?
- Áhlima. Sou nova na escola. Cheguei ontem na cidade. Parece que a recepção foi de matar, não é? Fogos, tiros. Fizeram até uma decoração nova no refeitório. Tripas ao molho de bombas caseiras. Você por acaso viu?
O som de sirenes já estava bem próximo. Uma ambulância, uma viatura e um carro dos bombeiros. Sim, eram os bombeiros. As luzes giratórias piscavam como se estivessem em frenesi. Alunos eram conduzidos em fileiras indianas para o estacionamento. Eles se entreolharam como se compartilhassem o mesmo pensamento.
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