A popularidade do tiro ao alvo crescera depois que os adultos começaram a não voltar da Guerra. Tiro ao alvo e crianças armadas. A Lei permitia armas para maiores de vinte e um anos. Contudo, não havia mais tantos adultos para comprar armas de menor calibre. Aos emancipados era vetada a venda, mas com o fenecimento do mercado interno, a necessidade de comercialização nos estados e o aumento da demanda e produção, armas começaram a aparecer nas mãos dos mais novos.
A maioria das mães e pais haviam ido à Guerra. Era assim que tinha de ser, ali e por todas as cidades do país. Enquanto os pais lutavam, os filhos eram emancipados e deixados para trás. A Lei guardava os filhos durante A Guerra. A Lei dizia que os mais velhos, não tão velhos, cuidariam dos filhos mais novos enquanto os pais lutavam, se fossem capazes. Mas onde já se viu palavras escritas no papel protegerem alguém?
A Guerra era importante. Preservaria o futuro dos filhos da nação, diziam os cartazes espalhados nas ruas e as promoções do governo. Contudo, o tempo passava, os filhos cresciam e atendiam ao chamado da Guerra ao completarem vinte e três anos, também deixando seus próprios filhos e irmãos para trás. Pais deficientes ficavam na cidade e normalmente eram obrigados a adotar crianças pela Lei.
Ninguém ousava viajar além da fronteira devastada, onde as tropas inimigas marchavam sobre as cidades moídas por bombas, mais ou menos a mil e duzentos quilômetros, seguindo na direção noroeste da capital. Ninguém voltava. Não vivo. Os vagões dos trens atravessavam limites da cidade recheados de corpos contaminados que diziam ser de vítimas da Guerra. Diziam que eram levados ao crematório para serem incinerados e postos em urnas no cemitério que ficava nas zonas subterrâneas da cidade.
No início da Guerra os filhos recebiam regularmente cartas de seus pais, aspergindo o cheiro úmido da esperança entre as linhas escritas. Mas ao passar das décadas, por motivos recônditos nessa história, não eram mais trocadas tantas correspondências. Perdera-se o costume, ambas as partes. Ninguém se importava. Passaram-se duas gerações, a primeira animada com a possibilidade de lutar pelos ideais bordados na bandeira, e a segunda, educada por programas diários de TV, afastados dos pais pela distância da Guerra.
Foi de repente. Os jovens começaram a se dividir em grupos, sem motivos aparentes. Em algum ponto não exato da história os filhos deixados para trás começaram a se defender de perigos inexistentes, cada vez mais hostis, tornando-se assim vítimas de suas próprias mãos.
Diziam que A Guerra surgira através de disputas por territórios, físicos, comerciais ou espirituais. Ainda tinham aqueles que sugeriam que A Guerra viera desde a sua invenção, logo quando o homem decidiu que assim fosse. Empunharam armas, da pedra ao aço, e seguiram para sempre à única direção que o tempo apontava. Assim seria até o fim. Até o dia em que não restasse homem ou alma para pisar a terra. Talvez fosse verdade, mas era certo que a Guerra teve seu início bem antes que o mundo começasse a acabar.
Ademais, já era a terceira geração que combatia na Guerra. Não se sabia mais exatamente quanto tempo havia se passado desde seu principio e menos ainda se sabia o que a motivara.
As pessoas eram assim agora. Viviam para lá e para cá. Poderiam viver até os vinte e três anos como civis. Depois disso, lhe vinham buscar em um veículo do exército para certamente morrer na Guerra. A morte parecia ter algo a ver com armas radioativas ou químicas.
Aqueles que desertavam, não desertavam. Eles sumiam.
Existia uma cidade na costa que era rica. Paraíso do consumo. Todos queriam ir para lá porque, se fizesse dinheiro o suficiente, podia evitar a Guerra. Mas isso foi antes do mundo começar a acabar e o mar engolir as primeiras construções de concreto e metal.